Justiça

Um dia, ouvimos do Homem de Nazaré uma daquelas acepções que se tornariam antológicas: que a nossa justiça deveria ser superior à justiça dos escribas e dos fariseus.


Quando paramos para pensar nessa determinação do Mestre temos que convir que a justiça que aqueles homens praticavam era uma justiça de conveniência. Para os amigos, tudo, para os inimigos, a lei.


Qual, hoje, o nosso entendimento de justiça?


A justiça é o ato de dar a cada um o que cada um merece. Então, a justiça se apoia na lei do mérito.


Mas, quando olhamos a nossa sociedade e a justiça que se vive no mundo, constatamos que está bem distante da lei do mérito. Em verdade, a justiça dificilmente será bem administrada enquanto estiver nas mãos de criaturas ainda imperfeitas.


Todo indivíduo imperfeito terá uma visão distorcida da justiça, uma visão imperfeita.Desse modo, no mundo em que estamos, por mais esforços façam os agentes da justiça, haverá sempre esse elemento humano intermediando as suas decisões.


Sem dúvida, existem agentes da justiça honestos, dignos, mas que não podem evitar a sua dimensão humana. E existem agentes da justiça perfeitamente mundanos. Aqueles que estão ali por causa da posição, do que ganham em termos de prestígio e de dinheiro.


Quando pensamos na justiça que confere a cada um de acordo com seu merecimento, temos que admitir que ainda estamos distantes do exercício de uma justiça que seja superior à dos escribas e dos fariseus.


Temos uma visão equivocada do que seja justiça. Sempre estamos em busca da justiça que nos favoreça, nunca da que favoreça ao outro.


É por isso que quando batemos no carro do outro, fugimos, mas quando alguém bate no nosso carro, exigimos nossos direitos. Isso nos diz como nosso conceito de justiça é deturpado.


Dessa forma, a nossa ideia de justiça na Terra precisa se ajustar às propostas do equilíbrio e do bem. A justiça que sirva para nós deve ser a justiça que servirá para os outros.


Por isso Cristo, que propunha que a nossa justiça fosse superior à dos fariseus hipócritas, nos ensinou que com a mesma medida com que medíssemos seríamos também medidos, e estabeleceu: Não julgueis.


*   *   *


É comum encontrarmos as pessoas, nos episódios mais diversos do cotidiano, a exigir justiça da lei, dos agentes da justiça.


Muitas vezes, a criatura quer uma justiça da qual  possa se ufanar, que ela possa gargalhar do justiçado. Nesse caso, já não há justiça, aí existe vingança.


Eu quero que ele pague. Mas esse já não é um problema nosso, é um problema da justiça humana.


E existem coisas que o juiz encarnado não consegue captar, não consegue ver, somente o olhar da Divindade o pode.


Jamais um juiz humano entenderá, de fato, as reais motivações que levam uma criatura a cometer um crime, um desatino.


Todas as respostas que temos, nesse sentido, são as exteriores, aquilo que se pode ver.


Foi a pobreza, foi a fome, foi o desemprego, foi o desespero. Mas as razões profundas, a bagagem que esse Espírito traz, as marcas que essa alma carrega, nenhum juiz humano consegue ver. Só o Pai da vida, somente o Senhor Supremo pode saber.


Então, muitas vezes, quando clamamos por justiça, estamos clamando por vingança, porque toda justiça que age fora das bases do amor se torna crueldade. A justiça sem amor é vingança social.


Também clamamos por justiça mas exercemos a injustiça. Fazemos greves por melhores salários, por exemplo, mas não melhoramos o salário dos nossos empregados. Somos pessoas injustas.


Reclamamos que a cidade está suja, mas atiramos papéis, lixo pela janela do carro, dos ônibus, na via pública, para onerar a cidade e impor que alguém vá limpar a nossa sujidade.


 Estacionamos nosso carro sobre calçadas por onde as pessoas devem passar e elas têm que disputar a rua com os carros que passam.


Queremos justiça contra os outros, mas não vivenciamos o princípio básico da justiça: Fazer ao outro o que para nós desejamos.


Desejamos considerações da justiça; queremos direitos, mas não exercitamos a prática da justiça, quando se trata de beneficiar os outros.


Quantas vezes colocamos, nas nossas festas, no apartamento, nas casas, a nossa música no maior volume, não nos importando se há crianças recém-nascidas, idosos cansados, doentes ou, simplesmente, se as pessoas não querem ouvir o nosso barulho.


Nosso critério de direito está equivocado. Nosso critério de democracia é equivocado porque temos um conceito de democracia que só serve para nós, que é contra os outros, quando a democracia propõe o direito de todos, a justiça para todos.


Se não respeitamos a nossa vizinhança quando damos uma festa, estamos sendo injustos. Como podemos cobrar justiça para nós?


Quando Cristo propôs que não julgássemos porque, com a mesma medida com que julgássemos seríamos julgados, ficamos pensando na responsabilidade do magistrado, que tem o dever profissional de julgar, de sentenciar.


Se ele não tiver luz por dentro, se não tiver lucidez na alma, amor no coração, será um verdugo da sociedade porque estará punindo as pessoas em nome do seu sentimento de mágoa, de revolta ou de sua displicência.


Não é por outra razão que o Evangelho do Reino nos diz que quem com ferro fere, com ferro será ferido, representando a lei de Talião, o dente por dente, olho por olho.


Só em Cristo encontramos a proposta do amor. E, quando amamos, até a nossa avaliação e o nosso juízo são macios.



Raul Teixeira, no Programa Televisivo Vida e Valores,
da Federação Espírita do Paraná.

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© Federação Espírita do Paraná - 20/11/2014