Federação Espírita do Paraná - 90 anos divulgando o Espiritismo

Artigo do Jornal Mundo Espírita publicado em 1992

 

No passado, muitas bandeiras civilizadoras partiram da vila de São Paulo de Piratininga, rasgando o coração das selvas, seguindo o curso dos rios, alcançando pontos territoriais não imaginados. Ora buscavam índios como mão-de-obra escrava; ora estavam buscando expulsar os espanhóis destas paragens; ora procuravam o ouro. No séc. XVII, depois de terem estado em Guairá, estimulados pela Coroa portuguesa a buscarem ouro mais no interior, uma das bandeiras foi encontrá-lo na lama dos ribeirões que corriam para a baía de Paranaguá. Com o fluxo de aventureiros que então se formou, ali nasceram três vilas: Paranaguá, Antonina e Morretes.

 

Com o escasseamento do ouro ali e julgando encontrá-lo em outros locais, alguns ultrapassaram a Serra do Mar e localizaram-se às margens do rio Atuba, dando origem à pequena povoação de nome Vilinha. Logo mais, não se sabendo por que razões, seus moradores resolveram mudar de região e, desejosos de manterem boa amizade com os indígenas, estes convidaram o cacique da tribo dos tingüis, que também habitavam a região, para indicar-lhes o local apropriado.

 

Este acede ao convite e, depois de procurar demoradamente um bom lugar, fincou uma vara no chão, dizendo: "Coré-etuba", isto é, "muito pinhão", "aqui". Da expressão do cacique tingüi ao encontrar o lugar apropriado, proviria o nome da capital paranaense.

 

Com o correr do tempo, várias outras famílias vieram juntar-se aos demais na vila de Curitiba, que logo começou a despontar com economia própria.

 

Na ampulheta do tempo do progresso, em Paris, França, já no séc. XIX, outro continente estava sendo observado, era o Continente d'Alma, magnificamente explorado e mapeado por Allan Kardec, que o denominou de Espiritismo, facultando à humanidade, a partir de então, beneficiar-se das suas arcas ricas e generosas de pão espiritual para os celeiros empobrecidos do coração humano. E dos episódios das suas grandezas saíram novas bandeiras, rompendo o cipoal da descrença em que os homens se emaranharam, para dizer a palavra da verdade e do amor. Agora, as armas seriam os ensinos do Evangelho, e o seu objetivo, a descoberta do filão do ouro espiritual na intimidade de cada um, utilizando-se como veículo dos livros, a palavra e a exemplificação dos seus porta-estandartes.

 

Os fenômenos inusitados eram, e ainda são, o que motivavam o interesse de muitos. Todavia, a busca do entendimento dos fenômenos com as luzes da ciência do conhecimento foi a tônica dos valores humanos que se puseram a caminho, liderados e animados por Manoel José da Costa e Cunha, que tem seu nome ligado estreitamente ao pioneirismo da chegada, desde os últimos lustros do séc. XIX, em terras do Paraná, como em outros Estados brasileiros, de uma das "novas bandeiras" da Doutrina dos Espíritos.

 

Tão logo começaram a circular pelo Brasil os primeiros exemplares das obras básicas da Codificação, vindos do Exterior pelos portos de nossa grande costa marítima, ou que a veneranda Federação Espírita Brasileira começou então a editar e distribuir, juntamente com a grande revista fundada por Augusto Elias, "O Reformador", alguns comerciantes ou intelectuais, que mantinham contatos com a Corte e, posteriormente, com a Capital da República, muniam-se dessas obras literárias - que eram ainda privilégio de ricos ou de quem morasse nos círculos adjacentes das editoras -, lendo-as, estudando-as, comentando-lhes o conteúdo, presenteando-as, divulgando-as. Aí é que se situa a figura inesquecível de Manoel Cunha, português de nascimento que, do Rio de Janeiro, se transferiu para o Paraná e radicou-se em nossa Capital. Apreciador a princípio, militante depois, da Doutrina Espírita, adquiria as obras procedentes da Capital Federal e as distribuía às pessoas de sua amizade.

 

ASSIM HONÓRIO MELO NARROU TAIS CIRCUNSTÂNCIAS HISTÓRICAS

 

"Enquanto Manoel Cunha ia formando, assim, uma elite espírita, outro grupo, também interessado nos fenômenos e na Doutrina, desenvolvia seu maior gosto pelas coisas sérias e de profundo valor moral. E aos poucos seus espíritas iam se enriquecendo desses novos conhecimentos pelo que ouviam, liam e aprendiam.

 

"Esses homens pesquisaram, examinaram, confrontaram, discerniram, converteram-se e programaram a disseminação da nova fé.

 

Para alguns desavisados dos seus propósitos magnos, o Espiritismo é até hoje apenas um canal de comunicação entre os "vivos" e os "mortos", ou um meio onde se procurar soluções impossíveis, quase sempre para fugirem das próprias responsabilidades. Estes ainda não conseguiram divisar a verdade de que a Doutrina Espírita é mensagem profundamente renovadora para a criatura humana, com base nos ensinos Crísticos.

 

"Nessa época, já ia tomando corpo a difusão da Doutrina Espírita, em todo o território nacional, sempre num clima de muita independência de ação, o que é altamente salutar, ao tempo em que também se esboçavam as características de um trabalho organizacional federativo a ser levado a efeito pela Casa Mater no Brasil. E Tal perspectiva gerava um certo receio entre os adeptos da nova doutrina, por considerarem, prematuramente, que a aglutinação dos profitentes e a montagem de um corpo direcional viesse a institucionalizar no Movimento Espírita as figuras de "chefes" e "mestres" infalíveis, o que concluíram - contrariava o esforço e o objetivo do mundo espiritual superior em dar ao homem uma filosofia de vida sem sentido ortodoxo, e que somente Jesus, o Cristo de Deus, deveria ser o Mestre!

 

"Outros homens com visão mais alargada quanto às questões da espiritualidade, ao melhor se inteirarem da realidade dos ensinos contidos na Codificação, em nome da fidelidade aos princípios ali exarados, bem julgaram que o deslumbramento em clima de plena liberdade, sem o alicerce do crivo da razão, de que são acometidos aqueles que se abeberam das sensações das faculdades mediúnicas, sem saberem dos elevados objetivos do Espiritismo para a humanidade ao nortear o uso de tais faculdades que tornam o homem capaz de penetrar os arcanos de um mundo maior, para amenizar a dureza de sua clausura na carne, poderia ocasionar dissabores e decepções, muito mais do que benefícios. Assim sendo, anteviram a grande utilidade de um movimento organizado que pudesse servir de apoio e norteamento aos corações de boa- vontade".

 

"Foi a partir daí que no Paraná nasceu esse movimento, também denominado Movimento Federativo, com a fundação da Federação Espírita do Paraná, pensando-se na liberdade de seus federados e num trabalho que tivesse características àquelas que estão traçadas nas obras da Codificação, que tão bem traduzem o luminar pensamento do Mundo Espiritual Superior, cuja cristalinidade muito se deve também à inteligência e sagacidade com que o Espírito notável de Allan Kardec desempenhou a missão que lhe foi confiada.

 

"E no alvorecer do século XX, um punhado de valores intelectuais e morais, descompromissados com as mentes supersticiosas e míopes, preconceituosas e pequenas, sentiram-se atraídos e entusiasmados em favor do novo ideal cristão. Muitos deles já manifestavam, publicamente, suas preferências através da publicação de uma revista sobre Espiritismo. "A Doutrina" - , que marcou época ao tempo de sua circulação, não só pela audácia de divulgar tal proposição à sociedade, como, também, pela profunda clareza da lógica dos argumentos que os artigos continham.

 

"E, assim, graças a esses pioneiros, levados pelo ideal de unificação das forças nascentes no movimento espírita em terras paranaenses e, considerando, desde logo, os fundamentos sócio-democráticos da novel Doutrina, os trabalhadores das primeiras horas deliberaram lançar as bases da organização estadual, uma das pioneiras do sistema, senão a primeira, hoje em pleno funcionamento em todo Brasil. Naquele dia 24 de agosto de 1902, reuniram-se essas mentes arejadas e espíritos altaneiros, para consagrarem o acontecimento, que seria o marco vitorioso de uma jornada idealista a se tornar granítica rocha, alicerçando o edifício federativo como o temos em nossos dias em terras brasileiras.

 

"Os destemidos cavaleiros da luz da terceira revelação, personificados nos vultos inesquecíveis de Sebastião Paraná, Domingos Duarte Veloso, João Pedro Schleder, Augusto Correia Pinto, Benedito Viana, Jesuíno da Silva Pereira Ribas, João Urbano de Assis Rocha, Manoel Pacheco de Carvalho, José Lopes Neto, Teodorico Lassala Freire, João Álvaro de Aguiar, Antônio Guiss, Félix Fernandes Alves e Alfredo Alves da Silva se tornaram os fundadores, juntamente com os Grupos Espíritas "Allan Kardec" e "Luz nas Trevas", de Antonina, e a Revista "A Doutrina", redigida por Vicente Nascimento Júnior.

 

"Naturalmente, alguns dos valores animadores desse passo, por uma razão ou outra, conforme nos consta, deixaram de registrar seus nomes na "Ata de Fundação". Por isso, queremos assinalar, desde logo, a profunda homenagem e admiração de todos nós que seguimos suas pegadas nas lides de nossa Casa Mater, por sua estatura moral, visão de momento e de futuro, e pela coragem diante do empreendimento.

 

"A ata de fundação está assim redigida ( foi conservada a ortografia original):

 

"Aos vinte e quatro dias do mês de Agosto de mil novecentos e dois, reunidos na sala da redação da "A Doutrina", na Rua América número nove, às dez horas da manhã, os abaixo assignados, convidados pela mesma redacção para o fim de tratar-se da fundação da Federação Espírita do Paraná, ahi de commum accôrdo, resolveram o seguinte: 1° - Fundar nesta cidade de Curityba, capital do Estado do Paraná, uma Sociedade Espírita para o estudo e propaganda da doutrina: 2° - Formular as bases para a organização da projectada Sociedade: 3° - Dar à mesma o título de Federação Espírita do Paraná, tendo por fim principal o disposto no parágrafo 1°, e unir pelos laços da federação todos os Grupos Espíritas existentes neste Estado, formando uma só comunhão como único meio a que se deve recorrer para suster a decadência da propaganda espírita. Em seguida, usando da palavra o confrade Sr. Domingos Duarte Velloso, disse que tinha já confeccionadas as bases para a organização dos Estatutos e pedia o consentimento para apresentá-las. Sendo deferido esse pedido, foram lidas as ditas bases, sendo depois de soffridas algumas alterações approvadas, para serem postas em discussão na reunião que para esse fim será opportunamente convocada. Foi lido um officio dos Grupos Espíritas "Allan Kardec" e "Luz nas Trevas", de Antonina, declarando adherirem aos fins da reunião, sendo resolvido a inclusão dos referidos Grupos na lista dos fundadores. Resolveu-se marcar o próximo dia 31 de Agosto corrente, para outra reunião na qual se escolherá a Diretoria provisória, e as Comissões necessárias para a redação dos Estatutos. Nada mais havendo a tratar-se foi encerrada a reunião, sendo por mim Vicente Nascimento Junior lavrada a presente Acta, que vai assignada pelos confrades presentes.

 

"Vicente Nascimento Junior - Redator d'Doutrina" - Augusto Correia Pinto - Benedicto Vianna - João Urbano da Rocha - Sebastião Paraná - João Alvaro Aguiar - Domingos Duarte Velloso - Grupo Espírita "Allan Kardec" de Antonina - Grupo Espírita "Luz nas Trevas", de Antonina.

 

"Em decorrência do primeiro ato legal para sua constituição, uma Diretoria provisória foi escolhida para os fins de direitos, nas pessoas de João Urbano de Assis Rocha, Presidente; Teodorico Lassala Freire, Vice- Presidente; Vicente Nascimento Junior, 1° Secretário; Antônio Guiss, 2° Secretário; Manoel Pacheco de Carvalho, Tesoureiro e Felix Alves, Procurador.

 

"A comissão para redação dos estatutos foi constituída pelos associados Domingos Duarte Veloso, João Alvaro de Aguiar, Manoel Pacheco de Carvalho e Vicente Nascimento Junior.

 

"Estava assim fundada a Casa Mater do Espiritismo no Paraná, iniciando-se a partir daí seus primeiros passos como sociedade civil".

 

Abriu-se desse modo, no cenário da história do Paraná, um expressivo núcleo de benemerência, cuja ação não está circunscrita a um clube de serviços, mas ao levantamento do nível moral da sociedade, intensificando os elos da fraternidade cristã.

 

A obra da Federação Espírita do Paraná é a expressão do pensamento imaterial dos seus diretores do plano invisível, indene de qualquer influenciação da personalidade dos homens. Mantém-se de pé não somente `a custa do esforço dos homens, que, por maior que seja, será sempre caracterizado pelas fragilidades e pelas fraquezas humanas . Muitos dos seus diretores desencarnados aí se conservam, como aliados do exercício de salvação que ali se reúne.

 

Assim, pois, a história da Federação Espírita do Paraná, dentro da história do Estado, é uma afirmação gloriosa de heroísmo sagrado, cheia de exemplos edificantes, de sacrifícios e dedicações.


© Federação Espírita do Paraná - 20/11/2014