Nossa religião

A saudosa Madre Teresa de Calcutá, num dos episódios mais bonitos de sua vida, teve ensejo de recolher nas lixeiras de Calcutá, um daquelas dezenas de velhos que costumavam ser atirados pelos próprios filhos, um deles, para dar-lhe uma morte mais digna.


Esse velho estava nas vascas da morte, e Madre Teresa, com as companheiras, foi tratando dele, foi tratando dele. Ele foi recobrando a lucidez, até o momento em que perguntou à religiosa qual era a sua religião. E, Madre Teresa, então, voltando-se para ele, no meio daquela lufa-lufa, daquelas buscas para socorrê-lo, respondeu-lhe: A minha religião, a minha religião é você.


Logo depois o velho relaxou e faleceu.


A resposta de Madre Teresa àquele homem é uma das coisas mais lindas que nós podemos encontrar numa definição de religião. Porque, desde há muito tempo, as religiões deixaram de ser a busca do outro, a busca dessa integração com Deus.


O termo religare, do latim, quer nos dizer isto, religação com Deus. E nós nos podemos religar com Deus de variadas maneiras.


A busca de Deus, esse teotropismo, esse movimento da alma para o Criador, ele pode se dar de variadas maneiras.


O de Madre Teresa, por exemplo, era através do serviço que ela realizava para o próximo.


No entanto, nós podemos bem perceber que, quando estamos numa atividade social, nos relacionando com as pessoas, é muito comum que alguém deseje saber qual é a nossa religião.


E essa preocupação tem a ver com o fato de que, desde há muito tempo, a nossa escolha religiosa passou a ter o mesmo valor da nossa posição socioeconômica.


Muita gente nos dá valor em função do nosso rótulo religioso. Elas se identificam ou não conosco, em razão da nossa profissão de fé.


Daí, então, as religiões passaram a separar as pessoas, do mesmo modo que na sociedade existem ricos e pobres, brancos e negros. Do mesmo modo que existe gente da favela, do campo, da cidade, também passamos a ter essa visão com relação às religiões.


Se o indivíduo for da religião A, B ou C, se pertencer a uma religião tradicionalista, ele tem uma consideração social.


Se ele pertencer a uma outra religião menos ortodoxa, a uma religião menos conhecida, possivelmente terá que pagar algum tipo de ônus nesse relacionamento social: seja o ônus da descrença, seja o ônus da zombaria.


Mas, a religião pesa na vida social das pessoas. Afinal de contas, o que é que significa a vida religiosa? O que é que deve ser a nossa religião? O que deve ser a nossa religião?


A nossa religião deverá ser essa busca da Divindade em nós. E é muito complicado pensar em buscar a Divindade em nós, longe do nosso próximo, longe do nosso semelhante.


Essa busca de Deus, esse religar a Deus precisará ser feito através do nosso semelhante, através do nosso próximo.


E é daí, então, que verificaremos que muita gente que vive apinhando templos, igrejas, congregações, centros, é materialista, quando não, ateia.


Porque têm a busca da religião como sendo apenas do seu culto externo, da sua mises-en-scènes, têm o culto religioso apenas na aparência, e não na sua intimidade.


As criaturas gostam de tudo aquilo que faz parte desses salamaleques da crença, mas não das responsabilidades espirituais da crença.


Daí, então, quando aquele homem pergunta a Madre Teresa qual era a sua religião, e ela responde que a sua religião era ele, ela está perfeitamente ajustada naquilo que Cristo nos ensinou a fazer: amar o nosso próximo como amamos a nós mesmos.


E, graças a essa postura é que demonstramos amar a Deus acima de todas as coisas. Somente quando conseguimos amar a Deus acima de todas as coisas, o próximo fica mais próximo de nós.


E é por causa disto que vale a pena distinguir: que religião é a nossa?

 

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A nossa religião, dessa forma, precisa se ajustar ao espírito religioso.


Grande número das vezes nós adotamos a postura religiosista, mas não religiosa.


A postura religiosista está buscando sempre as exterioridades da crença, o lado social da crença: o encontro, as festas, as roupas, a mise en scène. Mas, nós precisamos tratar de buscar essa religiosidade interna porque é dessa intimidade que partem todas as nossas ações religiosas.


É importante saber que nós podemos buscar a Deus por diversos caminhos. Um desses caminhos é através da prática religiosa.


E não podemos garantir que todas as pessoas que frequentam sinagogas, templos, igrejas, centros espíritas, terreiros deem, de fato, bom exemplo de religiosidade.


Muitas vezes encontramos, entre essas pessoas, muito materialismo, muito interesse imediatista.


Há criaturas que frequentam determinadas crenças por causa do que ela quer, por causa do que elas querem conseguir, por causa dos interesses imediatistas.


E, por causa disso, deixam de atender ao preceito maior da religião, que é amar a Deus acima de tudo e amar o nosso próximo como amamos a nós mesmos.


É natural pensar, na nossa prática religiosa, que nós podemos ter por religião socorrer uma pessoa necessitada. Mas, como assim?


Eu posso dizer uma coisa boa para quem precise ouvir uma coisa boa. E eu posso silenciar uma agressão, na hora que alguém deseja me irritar ou quando eu me sinto irritado, em nome da minha fé religiosa.


É melhor que eu silencie uma ofensa contra alguém do que eu arremessar essa ofensa, e depois ter que recolher essa energia de volta. Porque tudo que é nosso terá que voltar para nós. É o tal efeito bumerangue, é a Lei de Causa e Efeito em ação.


Por causa disso, a nossa religião deve ser uma religião que nos amadureça, e não que nos infantilize. Deve ser uma crença que nos leve a demonstrações de que aquilo em que a gente crê é verdade, e não em religiões fantasiosas, que passam a pôr na nossa mente uma série de invencionices de pessoas tão humanas e tão falíveis quanto nós.


Daí, então, cabe à nossa maturidade saber o que é que estamos buscando da vida, que tipo de religião nos vai fazer a mente, nos vai fazer a cabeça, nos vai influenciar.


Há religiões e religiosos jogando pessoas umas contras as outras. Há religiões propondo a incineração dos infiéis. Infiel será todo aquele que não siga a mesma crença, que não leia pela mesma cartilha. Isso não pode ser um preceito de fé religiosa, isso é um preceito de fanatismo.


E, naturalmente, uma sociedade como aquela em que se vive, como aquela em que a gente vive, na atualidade, exige de nós maiores cuidados.


Não podemos esquecer que estamos há dois mil anos depois de Jesus. Já se passou o tempo em que éramos tão infantis que precisávamos cultuar o bezerro de ouro, como ao tempo de Moisés.


Já passou a época em que éramos tão incipientes que prestávamos culto ao deus Moloc, oferecendo os próprios filhos para que a estátua de ferro os consumisse, apertando-os contra seu corpo e atirando no incinerador.


Já se passou o tempo das pirâmides Totonacas do México, em que oferecíamos as nossas virgens, nossas filhas virgens, para que seus peitos fossem abertos, e seus corações oferecidos aos deuses infelizes que norteavam aquelas cabeças.


Já se passou o tempo de oferecermos aos deuses coisas materiais, dinheiro, presentes, como se as divindades ou se os Espíritos do bem, ou se a Divindade Suprema precisasse do nosso dinheiro, quando ela nos dá saúde e força para o ganharmos aqui na Terra, onde ele é importante para o nosso sustento.


Mas, para que nós superemos essa infantilidade, é necessário que amadureçamos, gradativamente nos perquiramos, perguntemos a nós próprios: O que é que eu estou buscando da minha crença? Que religião eu desejo ter no mundo? - para que eu possa seguir a Deus melhor, e tornar-me uma pessoa igualmente melhor.


Transcrição do Programa Vida e Valores, de número 151, apresentado por Raul Teixeira, sob coordenação da Federação Espírita do Paraná.
Programa gravado em abril de 2008. Exibido pela NET, Canal 20, Curitiba, no dia 7.12.2008.
Em 6.10.2022

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