A primeira carta de um namorado para sua namorada...
Com o título supra, Márcia Kempf, bacharel em letras, com especialidade em tradução, assina o artigo, publicado em outubro de 2016, pela Revista Cultura Espírita [ano VIII, nº 91] e que optamos por apresentar aos nossos leitores, neste ano em que comemoramos os 160 anos de publicação de O livro dos Espíritos.

Ao oferecermos a transcrição de uma missiva, enviada em 13 de agosto de 1831, por Rivail a Amélie, é nosso intuito destacar o homem apaixonado, desejoso de concretizar seu ideal de amor. O homem por trás do grande Codificador, íntegro, honrado.

Segundo a redatora, a carta faz parte de um acervo salvo por um dos dirigentes do Movimento Espírita Francês, do saque da Maison des Spirites, ocorrido em 1940, na invasão de Paris pelos nazistas.

Destaca ela: H. L. D. Rivail já era Diretor de uma Instituição de ensino, que funcionava até final de junho  de 1831, no nº 65 da rue de Vaugirard, em Paris. Aproveitou o período de férias, julho e agosto, para fazer a mudança da Instituição para o nº 35 da rue de Sèvres, a algumas quadras de distância, e onde a instituição ia funcionar até 1841.

Amélie morava na mansão dos pais dela, em Châteu du Loir, departamento da Sarthe, a pouco mais de 200km de distância de Paris. Mas os pais dela também tinham uma moradia em Paris, localizada no nº 10 da rue de Planche, situada bem próxima à rue de Sèvres. (...)


No início da carta, podemos ver que a primeira iniciativa, como era de praxe na época, foi, a pedido de Hippolyte, de sua mãe ao pai de Amélie, este concordando com a correspondência direta entre os namorados. Cita também os nomes das senhoras Musset e Boisset que, com certeza, conheciam ambas as famílias que moravam bem próximo uma da outra, no Faubourg Saint Germain, e favoreceram o encontro entre Hippolyte e Amélie.

Hippolyte afirma na carta que encontrara Amélie uma só vez, o que lhe permitiu  confirmar os elogios feitos a Amélie pelas damas mencionadas. Amélie tinha 9 anos a mais do que ele (ela 36 e ele 27 anos, em 1831).


A autora chama a atenção, ainda, ao fato de que Rivail não vacilou na hora em que encontrou aquela com quem tinha programado cumprir sua missão naquela encarnação, missão cujos pormenores ele ainda ignorava.

Ao se dirigir à amada, Rivail  não usou nenhum disfarce para seduzir aquela que ele almejava; ao contrário, expressou seu sentimento de maneira bem sincera, franca, direta e sucinta. Essa é outra característica de um espírito evoluído, e permite antever a característica do relacionamento entre Hippolyte e Amélie, naqueles anos, até sua desencarnação em 1869.


Verifica-se na carta que Hippolyte indica que morava em Paris com sua mãe e seu tio, François Duhamel. Seu pai desaparecera, 25 anos antes, numa campanha de Napoleão na Espanha.

Prossegue Márcia: Outro ponto interessante para os pesquisadores é o nome que o autor indica na carta para permitir ao pai de Amélie iniciar as tramitações para o casamento. Ele escreve Hypolite, com os erros ortográficos tais como constam na certidão de nascimento, documento que, na França, determina o nome de uma pessoa, mas sem interverter a sequência dos nomes: Denisard, Hipolyte Léon Rivail na certidão, e Hipolyte Léon Denizard Rivail na carta em análise, de acordo com a assinatura dele na carta e nas suas várias obras da época: H.L.D.Rivail.

A Carta em Francês
[Cachet] 13 août 1831
Mademoiselle Amélie Boudet

Chez Monsieur Boudet
À Château du Loir
Sarthe

Mademoiselle

Ma mère reçoit à l’instant la réponse de Monsieur votre père à la demande qu’elle lui avait adressée de ma part; je  m’empresse de profiter de la permission qu’il a bien voulu m’accorder et de vous exprimer directement toute la joie que son consentement m’a causée et combien je serais heureux que votre détermination personnelle répondit à mon attente ; je vous avoue que j’ose un peu y compter d’après la lettre de Monsieur votre père et d’après ce que m’ont dit Mesdames Musset et Boisset ; cet espoir, mademoiselle, me fait hâter encore encore plus de mes voeux le moment où je pourrai vous exprimer de vive voix les espérances de bonheur que je fonde sur cette union. Quoique je n’aie eu le plaisir de vous voir qu’une fois, cette seule entrevue m’a convaincu que ces dames n’avaient rien exagéré en vous peignant sous des couleurs aussi aimables ; aussi désiré-je vivement qu’aucun obstacle ne vienne retarder l’accomplissement de mes désirs. Vous ne serez sans doute pas surprise, Mademoiselle, de ne pas trouver dans cette lettre le style qui est souvent employé en pareille occasion ; je vous avoue que je n’y suis point habitué, et que je ne me sens aucune disposition pour ces démonstrations amphatiques dont la réalité ne repose que sur un sentiment souvent trop fugitif. Je préfère à ces vaines protestations l’expression d’une estime réciproque, seule capable d’assurer un bonheur durable, à l’abri du temps et des vicissitudes, et j’ose croire que vous partagerez mon sentiment à cet égard et que nos parents verront avec plus de plaisir une union fondée sur ces bases. Je me plais à vous assurer, Mademoiselle, que vous trouverez dans ma mére et mon oncle des parents qui vous affectionneront comme leur propre fille et qui hâtent également de leurs voeux le moment de votre arrivée au milieu d’eux.

Madame Musset m’engage  à joindre à ma lettre les notes relatives à mes noms, âge etc. afin que Monsieur votre père puisse y puiser les renseignements nécessaires aux formalités qu’il aurait à remplir, dans votre pays.

(Hypolite, Léon, Denizard, Rivail, né à Lyon le 3 octobre 1804, de Jean Baptiste-Antoine Rivail, avocat e de Jeane, Louise Duhamel.)

Veuillez, Mademoiselle, être auprès de Madame votre mère et de Monsieur votre père l’interprète des sentiments les plus distingués de ma mère, de mon oncle, ainsi que des miens, et leur exprimer combien leur réponse nous a causé de joie à tous.

Agréez, Mademoiselle, les hommages les plus empressés de celui qui a l’honneur d’être avec un entier dévouement.

Votre très humble et très obéissant serviteur.

H. L. D. Rivail
Chef d’Institution
Paris le 13 août 1831


Tradução da Carta
[Carimbo] 13 de agosto de 1831
Senhorita Amélie Boudet

Casa do Senhor Boudet
Château du Loir
Sarthe

Senhorita,
Minha mãe acabou de receber a resposta do Senhor vosso pai, à solicitação feita por mim, através dela. Apresso-me em aproveitar dessa permissão, que ele me concedeu, para vos exprimir diretamente toda a alegria que esse consentimento me proporcionou e quão feliz eu seria que a vossa determinação pessoal corresponda à minha expectativa; confesso-vos, que ouso um pouco acreditar nisso, através da carta do Senhor vosso pai e também pelo que me foi relatado pelas Senhoras Musset e Boisset; essa esperança, senhorita, apressa ainda mais os meus votos para a chegada do momento em que poderei exprimir-vos de viva voz, as esperanças de felicidade que deposito nessa união. Embora só tenha tido o prazer de ver-vos uma vez, essa única entrevista me convenceu de que essas senhoras em nada exageraram, ao pintar-vos com cores tão gentis; anseio vivamente que nenhum obstáculo venha retardar a realização dos meus desejos. Sem dúvida, não vos será surpresa de não encontrar nesta carta o estilo, muitas vezes empregado para tais ocasiões. Confesso-vos não ter nenhuma experiência nisso e não ter disposição para fazer demonstrações enfáticas, cuja realidade repousa, muitas vezes, num sentimento demasiadamente fugaz. Prefiro, a essas vãs demonstrações, a expressão de uma estima recíproca, a única capaz de assegurar uma felicidade duradoura, ao abrigo do tempo e das vicissitudes, e  ouso acreditar que vós compartilhais desse meu sentimento e que os nossos pais verão, com a maior satisfação, uma união fundada nessas bases. Eu gostaria de assegurar-vos, senhorita, que encontrareis em minha mãe e em meu tio, pais que vos afeiçoarão como uma filha e que aguardam igualmente ansiosos que seus votos se concretizem, com sua chegada entre eles.

A Sra. Musset me convida a anexar a esta carta dados referentes a meu nome, idade, etc. para que vosso pai possa ter acesso às informações necessárias para as formalidades que ele será levado a preencher em sua região.

(Hypolite, Léon, Denizard, Rivail, nascido em Lyon, no dia 3 de outubro de 1804, filho de Jean Baptiste-Antoine Rivail, advogado e de Jeane Louise Duhamel.)

Pedir-vos-ia, senhorita, ser a intérprete junto a vossa mãe e ao vosso pai dos sentimentos de mais elevada consideração, de minha mãe, do meu tio e de mim mesmo, expressando-lhes o quanto essa resposta foi motivo de alegria para todos nós.

Aceitai, senhorita, as homenagens mais cordiais desse que tem a honra em estar em total devoção.

Vosso mais humilde e obediente servidor.

H. L. D. Rivail
Diretor de Instituição de Ensino
Paris, 13 de agosto de 1831.

Jornal Mundo Espírita, janeiro 2017.
Em 3.1.2017.

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