Martírio libertador - Vianna de Carvalho
Há cento e cinquenta anos, entre as 10 e 11 horas da manhã do dia 31 de março de 1869, desencarnava Allan Kardec, o egrégio Codificador do Espiritismo.

Apesar de advertido, diversas vezes, pelo seu amigo desencarnado, Dr. Demeure, a respeito da sobrecarga de atividades fatigantes a que se entregava, o professor Rivail sentia que o tempo de que dispunha para concluir o nobre trabalho que realizava, há mais de um decênio, tinha urgência.

Não havia ocasião para repouso, esse diletantismo a que se entregam muitos indivíduos, evitando compromissos de alta responsabilidade e trabalho de promoção da sociedade e deles mesmos.

Os monstros da ignorância, do egoísmo, do desconhecimento das soberanas leis da vida, homiziados em suas vigorosas cavernas eram devoradores das conquistas morais e éticas.

Semeavam desordens, crimes hediondos e, apesar dos esforços de muitos pensadores, espraiavam as calamidades que produziam, devorando esperanças e honradez.

Desde quando diretamente convidado a ceifar a velha árvore que há muitos agasalhava, o gigante não mediu esforços e empreendeu as primeiras batalhas de libertação de consciências e de sentimentos, e colocou balizas de segurança nas áreas conquistadas.

Forças selvagens, no entanto, levantaram da floresta sombria da dominação e o enfrentaram com as armas traiçoeiras da violência, da hipocrisia, da perseguição...

O combatente audaz, porém, não se atemorizou nem reduziu o campo de luta. A sua missão era libertar a Terra do domínio da crueldade e do fanatismo.

Todas as armas foram utilizadas para o silenciarem, mas ele usava os instrumentos sublimes que lhe chegavam da Imortalidade e se faziam conhecer em toda parte, em monumentais comunicações espirituais, demonstrando a sobrevivência da vida à consumpção carnal.

A morte, que então dominava soberana, experimentou de chofre o assédio da Vida e enfraqueceu as suas resistências, dando lugar à sobrevivência.

O materialismo, que se apoiava nas alucinações do gozo e do prazer imediatos, desvitalizando as virtudes baseadas nas existências corretas, experimentou os camartelos dos experimentos lúcidos e científicos que lhe serviam de suporte falso para existir.

Os clarins das primeiras vitórias nos campos das lutas encarniçadas ofereciam a musicalidade do amor e do bem, em detrimento do ódio e das paixões de baixo nível.

A astúcia e o poder temporal queimaram províncias iluminadas pelos livros e maldições bem como heresias foram utilizadas para obstaculizar-lhe o avanço inutilmente.

O conquistador diferente, nunca se detinha ante desafios, permanecendo inatacável.

O seu caráter diamantino impulsionava-o ao avanço e quando era necessário deter-se, fazia-o com a tenacidade de quem saboreia a vitória antes de conquistá-la.

Os exércitos espirituais sob seguros e sábios comandos se ampliavam e, à semelhança de estrelas em noite escura, derramavam esperanças,  alegria e paz, avançando à frente e aguardando-o, de modo que os enfraquecidos e desencorajados haurissem energias novas e prosseguissem fiéis ao dever aceito.

As lutas sucediam-se sem quartéis, e os grupos de terror insistiam em permanecer dominadores, sendo minados pelos guerreiros da misericórdia de Deus, e logo desertavam ou cediam o território que haviam conquistado mediante os seus nefandos recursos no passado.

Tratava-se de ingentes batalhas da Luz contra a Treva, nas quais, não havia concessões.

À frente dessas monumentais legiões de iluminados pelo amor e pela compaixão, tinham Allan Kardec, guiado e protegido pelos Mensageiros de Jesus, invisíveis aos olhos humanos, equipados para o êxito do empreendimento de escol e único.

Semelhante a Fênix, a ave mitológica, sempre renascendo das próprias cinzas, muitos vencidos recusavam-se à submissão e ressurgiam nos moldes antigos de combate sob o comando de Satã.

A ciência, em surgimento, aplicada na investigação dos antes chamados mistérios da Vida os elucidava com fatos poderosos que eram inegáveis, facultou que o Espiritismo triunfasse em todos os momentos a que foi submetido nas pesquisas de laboratório, curvando-se sob a sua grandiosidade.

A sua filosofia, rica de otimismo e de alegria de viver, fulgurou, diminuindo os incêndios morais em que ardiam os seus adversários.

Com vigor invulgar e em tempo excepcional, os ventos do progresso humano substituíram os vendavais destruidores, favorecendo a Humanidade com os justos resultados do bom combate empreendido.

A sua moral e os seus efeitos religiosos acalmaram as multidões atormentadas e ofereceram novos modus vivendi e operandi sobre os alicerces grandiosos da caridade.

... É certo que ainda existem alguns feudos que lhe resistem à grandeza, inúmeros guetos em que se refugiam os perversos que lhe tentam aplicar as ultrapassadas formas de combate, mas que se renderão com o tempo.

Allan Kardec ofereceu-se em holocausto silencioso e nobre, deixando a Doutrina Espírita sintetizada em sua essência e completa em seu conteúdo, de modo que não se pudessem aplicar apêndices posteriores, porquanto acompanha o progresso e o absorve em todas as épocas da Humanidade.

O insigne mestre de Lyon não se preocupou um só instante em ser consumido pelas atividades sublimes a que entregou o melhor período da sua incomum existência.

Evocando-lhe a figura gloriosa e genial, a força indomável da sua inteligência, aqueles que o amamos e lhe somos beneficiários, por ocasião do Sesquicentenário de sua desencarnação, exaltamo-lo, à semelhança dos cristãos das primeiras horas diante do martírio.

Aqueles que vencemos a morte com a revelação dos Guias da Humanidade que nos ofereceste, proclamamos:

Salve Allan Kardec, o mártir moderno seguidor de Jesus!

Vianna de Carvalho.
Psicografia de Divaldo Pereira Franco,
na sessão da noite de 2.1.2019, no
Centro Espírita Caminho da Redenção,
em Salvador, Bahia.
Em 31.3.2023.

© Federação Espírita do Paraná - 20/11/2014