Jacob Holzmann Netto

Jacob Holzmann Netto, filho de Epaminondas e Albina Holzmann, nasceu numa terça feira, às 10h30, no rigoroso inverno de Ponta Grossa, no dia 28 de julho de 1934. Era o terceiro filho do casal.

 

Passou a infância em Ponta Grossa, ao lado dos pais, irmãos, tios e primos.

 

Sua vida escolar iniciou-se na Escola de Aplicação, anexa à Escola de Professores de Ponta Grossa (1941 a 1944).

 

Mudou-se para a Capital do Estado e passou a freqüentar a Escola de Aplicação, anexa ao Instituto de Educação do Paraná para cursar a 5a. série do então Curso Primário, pois com dez anos de idade não poderia ingressar no Curso Ginasial. Concluiu o Primário em 1945.

 

Fez os cursos Ginasial e Colegial no Colégio Estadual do Paraná (1946 a 1952).

 

Obteve os seguintes títulos, em sua carreira:

 

Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná - UFPR (1958) e Bacharel em Psicologia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade Católica do Paraná (1972). Licenciado em Psicologia pela mesma Faculdade em 1972.

 

Foi agraciado com o Prêmio "Prof. Enéas Marques dos Santos", em 1954, ao ser o 1º colocado nos exames vestibulares da Faculdade de Direito da UFPR.

 

Recebeu o Prêmio "Des. Ernani Guarita Cartaxo", também em 1954, como o melhor aluno do 1º ano da Faculdade de Direito da UFPR; o Prêmio "Prof. Nelson Ferreira da Luz", em 1956, como melhor aluno do 3º ano da Faculdade de Direito da UFPR; o Prêmio "Prof. Athos Moraes Vellozo", em 1958 como melhor aluno do 5º ano da Faculdade de Direito da UFPR e o Prêmio "Teixeira de Freitas", nos anos de 1955, 1956, 1957 e 1958, como melhor aluno da Cadeira de Direito Civil; o Prêmio "Des. Vieira Cavalcanti", em 1956 e 1957 como melhor aluno da Cadeira de Direito Comercial; o Prêmio "Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná "- Medalha de ouro - 1958, intituído pela direção da Faculdade, ao melhor aluno do Curso Jurídico da UFPR; o Prêmio "Des. Hugo Simas" - Medalha de ouro - 1958, instituído pelo Centro Acadêmico "Hugo Simas", ao melhor aluno do Curso Jurídico da Universidade do Paraná; o Prêmio "Rui Barbosa", em 1958, instituído pela Prefeitura Municipal de Curitiba, ao melhor aluno do Curso Jurídico da UFPR; o Prêmio "Universitário do Ano" - Medalha de ouro - 1958, instituído pela União Paranaense dos Estudantes, ao acadêmico que mais se destacou em todo o Estado do Paraná.

 

Foi o 1º colocado no Curso de Oratória, realizado durante a 1ª Semana Paranaense de Estudos Jurídicos e Sociais - Medalha de ouro - 1956; 2º colocado no Concurso realizado durante a 1ª Semana Interamericana de Estudos Jurídicos e Sociais; 1º colocado entre os participantes de Língua Portuguesa, em Porto Alegre, em 1956; 2º colocado no Concurso de Oratória, realizado durante a 1ª Semana Nacional de Estudos Jurídicos e Sociais, comemorativa ao aniversário do Centro Acadêmico "Cândido de Oliveira", órgão do corpo discente da Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Brasil- Rio de Janeiro - 1957.

 

Foi eleito 2º orador do Centro Acadêmico "Hugo Simas", órgão do corpo discente da Faculdade de Direito da UFPR - 1956.

 

Foi Vice-Presidente do Centro Acadêmico "Hugo Simas" em 1958, Orador da Turma "Prof. Napoleão Teixeira", dos bacharéis de 1958, formados na UFPR e Orador da Turma "Sigmund Freud", dos Psicólogos de 1973, formados pela Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade Católica do Paraná.

 

Dominava, além da língua pátria, o inglês e o francês, tendo feito seus Cursos na Sociedade Brasileira de Cultura Inglesa (Certificado de Habilitação da Universidade de Cambridge - 1956) e na Alliance Française (Certificado de Habilitação da Universidade de Nancy - 1956).

 

TRAJETORIA DE UM ORADOR

 

Em 1956, Jacob era acadêmico do 3º ano da Faculdade de Direito da UFPR.

 

Nesse ano, participou da 1ª Semana Interamericana de Estudos Jurídicos e Sociais e 1º Concurso Interamericano de Oratória.

 

Representando o Paraná no Concurso de Oratória, coube-lhe o tema "Autoridade e Liberdade", tendo assim se expressado: "Não apenas profundo, o tema que me coube, por sorteio, é antes de mais nada, assunto palpitante e atualíssimo, uma vez que é sabido ser o grande problema do século em que vivemos, a conciliação da democracia com liberdade individual".

 

Entre 22 candidatos que concorreram, o acadêmico se classificou em 2º lugar.

 

No seu retorno, no dia 8 de maio, o Governador do Estado do Paraná, Moysés Lupion, o recebeu. Na oportunidade, o Chefe do Governo cumprimentou o acadêmico, cuja conquista honrou a Universidade Federal do Paraná e a cultura do povo paranaense.

 

Em 26 de maio de 1957, era a seguinte a manchete nos Jornais da Capital: CONCURSO DE ORATÓRIA DO CAHS - Classificado em primeiro lugar, o acadêmico Jacob Holzmann Netto, com o tema: "Bandoeng, encruzilhada de duas épocas". O concurso teve lugar na Faculdade de Direito da UFPR e foi patrocinado pelo Departamento Cultural do Cento Acadêmico Hugo Simas.

 

Jacob Holzmann Netto conquistou o 1º Lugar nas eliminatórias do Concurso de Oratória, promovido pelo Centro Acadêmico Cândido de Oliveira (CACO), na cidade do Rio de Janeiro, abordando o tema "A ONU e a Paz Mundial - A paz triunfará sobre a guerra, na medida em que o homem, individualmente, lute por esta conquista".

 

Ao final do concurso, ao ensejo do 41º aniversário do CACO, na Faculdade Nacional de Direito, Jacob ficou em 2º lugar.

 

Foi convidado pelas formandas do Instituto de Educação do Paraná, no final de 1957, para que transmitisse uma mensagem àquelas que seriam responsáveis pela educação de tantas crianças.

 

Nas palavras de Deolindo Amorin: Não foi um discurso feito nos moldes triviais das orações de formatura... Não. O discurso de Jacob foi de outro feitio, na forma e no fundo, porque foi um estudo muito sério de psicologia à luz da reencarnação... ele soube trazer questões de pedagogia, de ética, de psicologia infantil para o terreno doutrinário, em face do Espiritismo. Mostrou e de modo seguro, que a Doutrina Espírita, com a sua extensão, com sólida contextura moral e filosófica, é um roteiro certo para o educador moderno.

 

JACOB HOLZMANN NETTO - ORADOR ESPÍRITA

 

Em Ponta Grossa, no dia 7 de janeiro de 1957, na Sociedade Espírita Francisco de Assis proferiu a palestra Humildade, Fraternidade e Responsabilidade.

 

A sua apresentação foi feita pelo Dr. Lauro Schleder, Juiz do Tribunal de Contas do Paraná, que acentuou que poderia parecer paradoxal viesse ele apresentar um filho da cidade.... Mas, que havia uma razão para tal apresentação, pois Jacob saíra de sua terra aos 10 anos de idade e agora voltava já com uma apreciável cultura, eis que estudioso e inteligente, amealhara conhecimentos que o faziam digno de admiração, como orador de largos recursos.

Estava aberta a porta para a sua lide como grande orador espírita.

 

Em fins de março e começo de abril do ano de 1958, acompanhado pelo Dr. Lauro Schleder, iniciou uma grande jornada, proferindo no dia 30 de março, na sede da Federação Espírita do Estado de São Paulo, uma Conferência, tendo por centro a figura inconfundível do mestre de Lyon.

 

Em 3 de abril, Jacob teve a oportunidade de falar principalmente aos moços espíritas, reunidos em Concentração na cidade de São José do Rio Preto e, a 5 de abril, no Instituto de Cultura Espírita, sediado no Rio de Janeiro.

 

Ainda durante o ano de 1958, Jacob proferiu em 3 de agosto, Conferência em Londrina e no dia 21 de setembro em Taubaté, SP.

 

Em 20 de março, Jacob proferiu a aula inaugural do Curso do Instituto de Cultura Espírita, no Rio de Janeiro, RJ, com o tema "A Pena de Morte à Luz do Espiritismo".

 

Nesse ano esteve em Franca (SP), Londrina (PR), Porto União (SC), Campinas e Amparo (SP).

Posteriormente proferiu Conferências em Rio Claro, Curitiba (PR), Manaus (AM), Belém (PA), Teresina (PI), Fortaleza (CE), João Pessoa (PA), Recife (PE), Maceió (AL), Aracaju (SE), Salvador (BA), Antonina (PR), Rio de Janeiro, Petrópolis e Niterói (RJ), Araguari, Monte Alegre, Uberaba e Guaxupé (MG), Buenos Aires, Maringá (PR), Sorocaba e Franca (SP), Anápolis (GO), Barretos, Santo André e Marilia (SP), Joinvile (SC), Ponta Grossa (PR).

 

Nas Capitais e cidades acima citadas, acabou retornando várias vezes e em muitas proferiu Conferências em dias consecutivos.

 

Em 26 de agosto de 1994, desencarnou em Curitiba, Jacob Holzmann Neto, idealizador e um dos fundadores da Comunhão Espírita Cristã de Curitiba, sediada em Curitiba.

 

Dados compilados e fornecidos por Laércio Furlan


 

Senhor Presidente do Centro Acadêmico "Hugo Simas", Reverendo Padre Doutor Emílio Silva.
Senhores Juízes de Direito e Professores componentes da Mesa.


Senhoras e Senhores,


Universitários:

 

O cargo de orador do Centro Acadêmico "Hugo Simas", órgão do corpo discente da Faculdade de Direito da Universidade do Paraná, impõe-me o dever de saudar o Padre Emílio Silva em nome da classe acadêmica de minha Escola. Se é dever, tomo-o por dever gratíssimo. Mais do que isso: sau¬dar o Padre Emílio Silva é para mim honra subida.

 

Na qualidade oficial de orador, representante de uma classe, eu saúdo o Doutor em Filosofia pela "Academia Romana di Santo Tommaso D'Aquino"; saúdo o Bacharel em Filosofia e Letras pela Universidade de Santiago de Compostela; saúdo o Professor de Introdução Filosófica às Ciências Jurídicas, Doutrina Social Católica, Fontes e História do Direito Eclesiástico, Cultura Religiosa, Ética e Direito Canônico; saúdo o vasto conhecimento de um homem que triunfou pelo estudo e pelo saber, pela inteligência. E, se necessidade houvesse de maiores provas, eu poderia aqui alinhar outros tantos títulos que a ele pertencem e que se lhe integraram à personalidade de mestre e pensador. Não o faço por uma razão: o venerando professor que nos visita não poderá valer, entre nós, pelos títulos que acumulou; valerá pelo que nos ensinar, emprestando a suas palestras o vigor de sua reconhecida sapiência. Um professor não vale pelo diploma; vale pelo que transmite e dissemina. E com isso concorda, tenho certeza, o Reverendo Padre Emílio Silva. Demais, deixando de citar todas as dignidades que ele conquistou e todas as teses que fez publicar, coloco-o mais à vontade, por não lhe ferir a modéstia - nobre qualidade de todo professor. Tive em mãos o "curriculum vitae" do conferencista e, confesso, antes de ouvi-lo já o admiro por tudo quanto ali vem documentado: uma vida inteira a serviço do estudo e do ensino. O Paraná se sente honrado e a mocidade universitária de minha terra diz, por mim, de seu júbilo e gratidão por receber visita de mestre tão excelente e tão ilustre homem!

 

Todavia, se na qualidade oficial de orador, representante de uma classe, eu enalteço um homem de conhecimento, falando por mim, particularmente, rendo culto a um homem de coragem. Nada mais me impressiona do que a coragem. E coragem tem aquele que se propõe defender a licitude e a conveniência da pena de morte. Maior coragem, se é professor e se dirige à gente moça. Coragem surpreendente, se é sacerdote...

 

Reverendo Padre Doutor Emílio Silva:

 

Vossa Excelência não é um estranho a essa gente toda que o vai ouvir. De há muito que escuto falar, principalmente pelos corredores de minha Escola, no padre que defende a pena de morte: a fama de Vossa Excelência o precedeu nessa auspiciosa visita a Curitiba. E a mim, especialmente, Vossa Excelência tem dado muito em que pensar. É que sua responsabilidade de mestre e "Ministro de Deus" não lhe permitiria, creio eu, enveredar por senda assaz perigosa, envolta em tamanha azáfama sensacionalismo tão grande, caso Vossa Excelência não estivesse plenamente seguro e inteiramente convicto daquilo que defende por lícito e conveniente. Vossa Excelência terá, por certo, escoimado de dúvidas tese assim arrojada; terá buscado argumentos robustos à Sociologia e à Criminologia, assentando-os em subsídios colhidos à Ética e à Filosofia da Igreja.

 

E eu, que por tanto tempo aguardei a visita de Vossa Excelência e hoje o contemplo de bem perto - sentindo-me pequeno diante da autoridade de sua cultura - estranhamente, não consigo agora concentrar-me em sua pessoa. Meu pensamento fervilha e eis que me impele a reproduzir, ante meus olhos, o longo desfile daqueles belos espíritos que se ocuparam dos problemas filosófico-jurídicos ligados aos fundamentos e objetivos do sistema penal:

 

Rossi, Carrara e Pessina me gritam aos ouvidos: "Punitur quia peccatum est". E Kant e Hegel e Binding já fazem coro: a pena é instrumento de expiação do crime; há que reconhecer nela a função eminentemente retributiva, repelir a unificação da medida de segurança com a sanção penal, para que esta não sacrifique seu caráter retributivo à finalidade de reajustamento do criminoso; a pena é retribuição, expiação da culpabilidade contida no fato punível - é o mal justo que se contrapõe à justiça do mal praticado pelo agente; e isso porque o fundamento da responsabilidade penal é a responsabilidade moral, com base no livre arbítrio, que pressupõe a existência de uma vontade inteligente e livre.

 

E já me disponho a acatar as teorias da retribuição, quando Beccaria, Filangieri e Carmignani me surpreendem o êxtase e sustentam, com veemência, que a pena tem um fim prático e imediato de prevenção geral ou especial do crime. E Feuerbach e Romagnosi me fazem invocar a personalidade brilhante de von Liszt e sua moderna Escola Alemã, de mistura com os postulados de Lombroso, Ferri e Garofalo - lídimos representantes da Escola Positiva Italiana: "Punitur non quia peccatun est, sed ne peccetur"; a responsabilidade penal está baseada na responsabilidade social ou, ainda, na periculosidade criminal do agente; a sanção penal não é castigo de culpabilidade, mas instrumento de defesa social, pela recuperação do criminoso; a pena não é medida retributiva, porém preventiva: deve ser aplicada à natureza do delinqüente e não do delito, pois que não visa à punição do infrator e, sim, a sua readaptação às condições da convivência social.

 

E agora?! De um lado, a pena-castigo; de outro, a pena-defesa e a pena-educação. Mas razões históricas insistem por convencer-me de que os clássicos estão superados; dados estatísticos me evidenciam que o rigorismo das penas - quando não tende à reabilitação do delinqüente - não aproveita a este e, muito menos, à sociedade, que se sacia de vingança, contudo não exaure a própria culpa. É a sociedade que fabrica, em série, os párias, os desajustados, os criminosos; tem, pois, o dever de reeducá-los, não o direito de lhes infligir castigo e, menos ainda, o de lhes tirar a vida. E já meu idealismo exaltado de moço me fala das prisões abertas; diz-me que todo homem esconde, dentro de si mesmo, algo de bom, que cumpre fazer desabroche para as realizações úteis, mercê da educação. E já minha formação cristã me desperta a piedade, bosquejando, dentro de minh'alma, os negros quadros da miséria: crianças que nascem e se criam órfãs de amparo moral e afetivo, vivendo ao deus-dará, mamujando mamas corroídas de sífilis, alunas habituais da universidade das sarjetas, bebendo torpes lições dos mestres descarados da sordice, do vício, da obscenidade e da malandragem. Criminosos em potencial, a quem ninguém assiste! A vida já lhes é pena tão dura de cumprir e a sociedade madrasta se arma para amanhã os assinalar com o ferrete da difamação, senão matá-los. "Assassinato legal" - me cochicha Beccaria.

 

Reverendo Padre Emílio, eu lhe peço perdão se a confusão de meus sentimentos exige que eu prossiga analisando questões atinentes à pena de morte. É que, embora como estudante de Direito eu lhe reconheça a possibilidade de defender a pena de morte com fundamento jurídico, não compreendo - como cristão que sou - e talvez não o compreenda por ignorância; não compreendo, eu dizia, possa Vossa Excelência sustentar a legitimidade da pena de morte, como sacerdote de uma igreja cristã...

 

Lembrando-me de que Vossa Excelência é sa¬cerdote, recordo agora também que, sob o império do "jus canonicum", a idéia firmada era que só a Deus cabia punir e premiar os homens, d'Ele emanando todo o poder humano - "Omnis potestas a Deo" - exercido na Terra pela Igreja, por delegação divina. E, abeirando-me da heresia, eu me pergunto se a conveniência e a licitude que Vossa Excelência encontrou na pena de morte seriam a licitude e a conveniência que descobriu Pierre Cauchon, bispo de Beauvais, ou Tomás de Torquemada para, sob o pretexto piedoso de salvar as almas dos hereges, fazer que as fogueiras de Espanha tressuassem carne humana; ou, ainda, o imortal Dante, que, em poética vingança simbólica, povoou os tijucos para além do "Aqueronte" com as almas de seus desafetos.

 

Perdoe-me Vossa Excelência se, pela confusão de meus sentimentos, sou obrigado a tratar aqui de problemas alheios a minha missão; se exorbito de minha tarefa. Mas é que Lanza me vem à tona das idéias e afirma o princípio evolutivo que deve reger a ciência penal; assevera-me que já se ultrapassou a reação penal do tipo impulsivo e, bem assim, a reação penal do tipo inteligente: hoje é o domínio da reação penal do tipo ético. Ele não crê na incorrigibilidade do homem que delinqüe porque, na verdade, até agora nada foi verdadeiramente tentado para inspirar ao criminoso novos sentimentos humanos e, muito menos, realizado qualquer programa pedagógico. É o caminho mais difícil - a educação - porém o melhor caminho, o que diz melhor com a condição de homem. A pena de morte é a escápula mais fácil, a meu ver: lavam-se as mãos tintas de sangue, cruzam-se os braços modorrentos, põe-se mordaça à consciência.

 

Se eu acredito, como moço idealista, na função educadora da pena, também não me recuso à aceitação de algumas verdades consagradas pela Escola Positiva, salvantes os exageros de Lombroso. Eu não posso negar as influências físicas e sociais na determinação da delinqüência. E se a vida torna evidente que os homens cá vivem em condições morais e sociais variando ao infinito, o decantado livre arbítrio não pode existir em igual quantidade para todos os homens; há de ser condicionado ao grau evolutivo de cada um; e nem o dogma de que a alma é criada simultaneamente com o corpo explica por que não são todas as almas, se provindas da mesma fonte, criadas com idênticas disposições para o bem. E porque as condições de vida variam, a pena de morte me parece iníqua. E porque as condições de vida variam, não pode a justiça divina - poderia, se não houvesse loucos, se não houvesse portadores de "déficit" mental, se não houvesse epilépticos, se não houvesse fome e miséria e treva e ignorância, orgulho e vaidade e egoísmo, e a todos os homens se concedesse, na vida presente, igual oportunidade para alcançar o Bom e o Belo - não pode a justiça divina, eu dizia, circunscrever-se ao fatalismo das penas e recompensas eternas, sob pena de ser considerada injusta, inferior à justiça humana, que já preconiza a individualização da sanção anticriminal. A meu ver, "datíssima vênia" , só a preexistência da alma - velha batalhadora de vidas pregressas - justificaria as tendências contraditórias do espírito humano na vida presente, e devolveria a Deus o caráter de soberanamente justo e misericordioso: todas as almas, criadas simples e ignorantes, partem do mesmo ponto e evolvem para um único fim. E se assim é, se a vida atual é oportunidade de corretivo, de educação, de progresso e de escola, a ninguém é dado matar - nem ao indivíduo e nem ao Estado: a pena de morte é oficio de Deus!...

 

Eu peço mais uma vez perdão a Vossa Excelência, Reverendo Padre Emílio Silva. Acontece, porém, que eu não teria dito tudo que disse se não fora idealista, se não tivesse como meu o arroubo natural em todo moço, se a visita de Vossa Excelência não houvesse despertado, em mim, o mais vivo interesse; eu não teria dito isso tudo se não acreditasse em sua capacidade, em seu saber e em sua inteligência. Minha consciência me sacudiu a sensibilidade e exigiu que eu me manifestasse contra a pena de morte. Se não o fizesse, teria traído minha formação cristã, que me manda amar o próximo como a mim mesmo; traído a tradição que sedimentei no seio da família, pela percentagem de sangue negro que me faz cantar o sentimentalismo de um povo supliciado e oprimido, pela cota de sangue indígena que me reclama o amor da liberdade, pela porção de sangue luso que me impele à conquista da vida civilizada, e pela estirpe russo-alemã que me deu o nome e me ensinou a amar a terra, a natureza, a música e a submissão a Deus; teria traído minha condição de brasileiro, que muito prezo e me assegura ser o Brasil um país que aprendeu a abominar a violência; eu teria traído tudo que me é mais caro, se me houvesse calado!

 

Não obstante, eu lhe reconheço - já asseverei - a possibilidade de defender a pena de morte, como jurista e filósofo. Talvez mesmo, com base na Suma Teológica e no Direito Eclesiástico, em Agostinho e Optato, lhe seja possível esse malabarismo. Eu me nego a acreditar, entretanto, que argumento para tal possa ser bebido diretamente nas palavras de Jesus, o Profeta da Paz, do Amor e do Perdão - Aquele que disse: "Reconciliai-vos antes de tudo com o vosso irmão e depois vireis fa¬zer a vossa oferta diante do altar". Se Vossa Excelência colocar violência na boca do Messias Divino, terá destruído - em meu entender - o mais santo dos homens, o deus da igreja que Vossa Excelência representa; terá esmagado o secular edifício do Cristianismo, sustentado sobre o amor da divindade e o amor do próximo. Se Vossa Excelência o conseguir, eu terei perdido - naturalmente e de conseqüência - minha qualidade de cristão, porém não a de amante da paz. Terei então, em desespero, de socorrer-me daqueles outros lindos modelos de virtude e temperança que me oferece a história da humanidade - Buda, Lao-Tsé, Sócrates, Francisco de Assis, João Huss, George Fox, Léon Tolstoi, Ghandi e tantos outros - para que eu não perca minha crença no bem, a confiança que tenho em Deus e a necessidade que tenho de crer no futuro do homem!

 

Eu peço uma última vez perdão a Vossa Excelência, Reverendo Padre Emilio Silva. Mas tenho para mim que, com isso tudo que eu lhe disse, em nada diminuirá a admiração - sincera e sinceríssima - que devo à cultura e ao desassombro de Vossa Excelência. Tenho para mim que, premunindo o auditório, tributei a Vossa Excelência a maior e a mais cara das homenagens: dei-lhe, por antecipação, uma prova de confiança absoluta na excelência de seu conhecimento de mestre e pensador. Estou certo de que Vossa Excelência conseguirá, pelo poder da razão e da lógica, esfacelar-me - a mim e a minha ignorância - nessas quatro conferências brilhantíssimas que veio proferir em nosso meio provinciano.

 

E é por isso, então, que eu me sinto perfeitamente à vontade para, em nome do Centro Acadêmico "Hugo Simas" e em meu próprio nome, testemunhar-lhe meu fundo respeito e lhe dar boas-vindas: Seja Vossa Excelência, Reverendo Padre Professor Doutor Emilio Silva, bem vindo ao Paraná, que anseia por conhecê-lo através da mocidade estudiosa!

 

E, afinal, a saudação de um cristão para outro: Que a paz seja com Vossa Excelência!"

 

Discurso pronunciado por Jacob Holzmann Neto, na qualidade de orador do Centro Acadêmico Hugo Simas, da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná, ao ensejo da visita que, a convite daquele Centro Acadêmico, fizera a Curitiba, o venerando Professor Padre Emílio Silva. Publicado na edição de 30 de junho de 1958 do Jornal Mundo Espírita.


 

Senhor Presidente do Centro Acadêmico "Hugo Simas",


Reverendo Padre Doutor Emílio Silva


Demais componentes da Mesa


Senhoras e Senhores


Universitários:

 

Uso da palavra, segunda vez, para homenagear o Reverendo Padre Professor Doutor Emílio Silva. Na terça-feira última, eu formulava uma saudação; hoje. apresento uma despedida. Numa e noutra vez, o direito de falar me foi concedido por pertencer a mim o cargo de orador do Centro Acadêmico "Hugo Simas"; e, numa e noutra vez, exultei: tomei sobre meus ombros a responsabilidade de representar uma classe, com íntima satisfação. Porque nem sempre as oportunidades abertas ao orador lhe são gratas. E coisa pior não existe do que se fazer aquilo que se não quer fazer. Tudo que então se diz soa falso, frio, descolorido, insincero. Haveis de conceder-me este crédito: prezo muito a sinceridade. E é a sinceridade que me faz, segunda vez, confessar que muito me honra dirigir a palavra à figura respeitabilíssima, por todos os títulos, do Reverendo Padre Professor Doutor Emílio Silva.

 

Hoje o confesso com força maior ainda, com base mais sólida: ratifico todos os encômios que enderecei ao venerando professor e que ele, por excessiva modéstia, classificou de hiperbólicos. Não foram elogios hiperbólicos! O próprio Padre Emílio fê-Ios justos e proporcionados, comprovando-os. Todos os que ouvimos as belíssimas e segurissimas preleções do Padre Emílio Silva, hoje - mais do que há três dias - reconhecemos a cultura e a inteligência, a capacidade e a sapiência daquele que nos fez tão grata visita. E a esse patrimônio intelectual todo, que é dele e que nunca lhe será negado, tributamos derradeira homenagem.

 

Professor Emílio Silva:

 

O Centro Acadêmico "Hugo Simas" apresenta, por mim, a Vossa Excelência sua despedida oficial. Quiséramos ter conosco, por mais tempo ainda, a palavra esclarecida de Vossa. Excelência. Ainda que obrigado a nos deixar, Vossa Excelência não conseguirá, todavia, arrancar as raízes de admiração e simpatia que profundou em nosso meio. De Vossa Excelência fica a mais cara das lembranças: o estimulo ao estudo e o respeito à cultura. Gostaríamos, também, que Vossa Excelência levasse consigo algo de nós. Infelizmente, mais não temos a oferecer do que nossos agradecimentos: somos gratos pelo muito que aprendemos em quatro aulas.

 

Vossa Excelência, pela cultura filosófica, soube impor-se em nosso meio.E aquilo que eu lhe digo é o que pensam todos os que me ouvem. Vossa Excelência desenvolveu, com segurança e clareza, a tese que se propôs defender. Eu o cumprimento, por modo efusivo, e cumprimento, também, a classe acadêmica. de minha terra por ter ouvido tudo quanto ouviu de Vossa Excelência. Poucas vezes tive oportunidade de apreciar em outrem tamanha acuidade de raciocínio e habilidade de argumentação tão impressionante. Foi o que marcou a tese de Vossa Excelência e é o que todos aqui reconhecemos: raciocínio vigoroso, cultura fecunda, exposição clara e argumentação segura.

 

Quando eu o saudei há três dias, houve quem interpretasse mal minhas palavras e meu propósito. Tenho, porém, a certeza de que Vossa Excelência bem me compreendeu. Manifestei-me, por antecipação, contrariamente a seu ponto de vista - primeiro, pela necessidade que tem todo homem sincero de afirmar suas convicções, quando se lhe dá azo; depois, porque sabia perfeitamente a quem falava - um Doutor em Filosofia; e, por último, para que Vossa Excelência colhesse a impressão de que a mocidade do Paraná procura estudar e não é indiferente aos problemas que agitam o homem e a sociedade.

 

Vossa Excelência dizia, ainda ontem, que aquele que combateu a pena de morte, com veemência e por modo que o fizesse saber a todos, dificilmente teria sinceridade suficiente pata reconhecer o erro e vencer o amor próprio, tenaz característica de todo espírito humano. Respeito muito a autoridade daquele que disse antes de mim - "se há grandeza em reconhecer o próprio erro, há sempre baixeza em perseverar numa opinião que se repute falsa." (Allan Kardec). Porque ele assim falou, estou seguro de que eu retrataria minha falha, caso Vossa Excelência houvesse conseguido mudar minha maneira de pensar. E como muitos esperam - talvez Vossa Excelência mesmo - que eu aqui me pronuncie, de público, sobre se minhas idéias permanecem inalteradas ou não, peço vênia para tanto, uma vez que - assim me parece - durante a saudação anterior, eu assumi, ainda que veladamente, tal compromisso. Peço vênia para dizer, com toda a sinceridade, que não mudei: continuo contra a pena de morte.

 

E Vossa Excelência há de reconhecer a mim esse direito, porque Vossa Excelência mesmo disse, tam¬bém ontem, que a convicção é conquista individual: não se poderá impô-la a quem quer que seja.

 

Embora lhe tenha parecido que minhas palavras, quando eu o saudei há três dias, não tiveram outra força que não o arrebatamento do orador - não é o sentimentalismo deseducado que grita em mim: sou cérebro e sou coração, quando sou contra a pena de morte. Apenas Vossa Excelência desconhece a doutrina - a um só tempo filosófica, científica e religiosa - que me dá esta convicção. Isso importa. numa profissão de fé: sou espírita e, como espírita, não poderei jamais, sem trair minha razão e meu sentimento, aceitar a legitimidade e a conveniência da pena de morte!

 

E malgrado permaneçamos ambos cristãos - Vossa Excelência mesmo o disse - hoje se me tornou patente que encaramos o Cristo sob prismas diferentes... Talvez, algum dia, quando não formos mais o mestre e o aluno, o clérigo e o leigo, a maturidade e a juventude; em algum lugar, quando livres das contingências da matéria, a vida de um homem ou de um povo nos parecer tão pequena quanto a de um mosquito e, em compensação, a de um inseto tão infinita quanto a de um corpo celeste com toda sua poeira de nações; talvez, nesse dia, possamos compreender, juntos, que todos os homens, de todas as seitas e de todas as filosofias, lutam pela conquista da Verdade e para ela evolam em sua marcha ascensional até Deus!

 

Até lá, se esse dia vier, hipoteco-lhe, desde já, meu respeito, minha admiração e minha amizade...

 

E, finalmente, deixo aqui consignados os agradecimentos do Centro Acadêmico "Hugo Simas" e da mocidade do Paraná, pela solicitude com que Vossa Excelência aquiesceu a nosso convite e pelas quatro brilhantíssimas conferências que proferiu em nosso meio.

 

Ao Reverendo Padre Emílio, nosso muito-obrigado, nosso muito-obrigado sincero e muito sincero!

 

Discurso pronunciado por Jacob Holzmann Neto, na qualidade de orador do Centro Acadêmico Hugo Simas, da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná, ao final da visita que, a convite daquele Centro Acadêmico, fizera a Curitiba, o venerando Professor Padre Emílio Silva. Publicado na edição de 30 de junho de 1958 do Jornal Mundo Espírita.


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