Frederico Figner

Frederico Fígner foi um homem de biografia bastante incomum. De espírito empreendedor, venceu galhardamente a escorregadiça e perigosa prova da riqueza. Conservava a candura do crente, a fé que transporta montanhas, sem cair no fanatismo religioso. Instruído em letras e línguas jamais se desviou da postura humilde. Cultivava as mais altas relações sociais, paralelamente ao convívio amoroso com infelizes e sofredores.

 

Nasceu em dezembro de 1866, em Milewko, na então Tcheco-Eslováquia. 
Ainda muito jovem e buscando ampliar seus horizontes migrou para os Estados Unidos, chegando ao país no momento em que Thomas Edison estava lançando um aparelho que registrava e reproduzia sons por intermédio de cilindros giratórios.

 

Fascinado pela novidade, adquiriu um desses equipamentos e vários rolos de gravação, embarcando, com sua preciosa carga, em um navio rumo a Belém do Pará, onde chegou em 1891, sem conhecer uma única palavra do idioma português.

 

Naquela cidade, começou a exibir a novidade para o público, que pagava para registrar e escutar a própria voz. O sucesso foi imediato e, de Belém, Frederico se dirigiu para outras praças, sempre com o gravador a tiracolo.

 

Passou por Manaus, Fortaleza, Natal, João Pessoa, Recife e Salvador, antes de chegar ao Rio de Janeiro, no ano seguinte, 1892, já falando e entendendo um pouquinho do nosso idioma e com um razoável pé de meia.

 

Na Cidade Maravilhosa, Fígner abriu sua primeira loja, a Casa Edison, em um sobrado da Rua Uruguaiana, onde importava e comercializava esses primeiros fonógrafos e ajudou a divulgar a máquina de escrever em todo o Brasil.

 

Justas homenagens já foram feitas a esse Espírito empreendedor, responsável por diversas novidades de sua época, como ter trazido ao Brasil o fonógrafo, o gramofone e o disco.

 

Tendo sabido que o cientista judeu Emile Berliner tinha acabado de lançar, nos Estados Unidos, um equipamento de gravação, que utilizava discos revestidos com cera, com qualidade sonora superior ao do aparelho de Thomas Edison, Fígner percebeu, de imediato, o potencial da nova invenção e transferiu seu estabelecimento do sobrado da Rua Uruguaiana para uma loja térrea na tradicional Rua do Ouvidor, onde abriu o primeiro estúdio de gravação e varejo de discos do Brasil, em 1900.

 

Os discos fabricados por Fígner, nessa fase inicial, utilizavam cera de carnaúba, eram gravados em apenas uma das faces e tocados em vitrolas movidas a manivela. 

 

Apesar das limitações técnicas, essa iniciativa representou uma verdadeira revolução para a música popular brasileira, que engatinhava, pois até então os artistas só podiam se apresentar ao vivo ou comercializar suas criações por intermédio de partituras impressas. 

 

O primeiro disco brasileiro foi gravado na Casa Edison pelo cantor Manuel Pedro dos Santos, o Bahiano, em 1902. Era o lundu Isto é Bom, de autoria do seu conterrâneo Xisto da Bahia.

 

A partir daí, mais e mais artistas começaram a gravar suas composições em discos, que eram distribuídos pela Casa Edison, do Rio, e também pela filial que Fígner havia aberto em São Paulo.

 

A procura pelos discos cresceu tanto que, em 1913, ele decidiu instalar uma indústria fonográfica de grande porte na Avenida 28 de Setembro, Vila Isabel, dando origem ao consagrado selo Odeon.

 

A ação industrial de Fred, como era carinhosamente chamado, no tempo em que não existia rádio, tem o valor de nobre apostolado patriótico. Teve a preocupação idealista de distribuir por todo o país nosso patrimônio artístico, genuinamente brasileiro.

 

De origem judaica, num lar humilde, deixou sua casa aos treze anos de idade, em busca de seus ideais. Por seus atos recebeu inúmeras homenagens após sua desencarnação, entre elas foi considerado pelo jornal A Noite Ilustrada como o mais brasileiro de todos os estrangeiros, o cidadão dos mil amigos, o protetor dos necessitados, filantropo dos mais legítimos e dedicados.

 

Foi apresentado ao Espiritismo por volta de 1903, por Pedro Sayão, filho de Antonio Luis Sayão. Descrente, inicialmente, apesar de Pedro frequentar a filial do estabelecimento comercial que Frederico Fígner tinha em São Paulo e ali, durante dois anos palestrar com o amigo acerca do Espiritismo. Somente acompanhando a cura, através de receita mediúnica da esposa de um funcionário, Fígner se inclinou ao Espiritismo.

 

Já impressionado com a cura da doente, mediante uma receita mediúnica, Fígner foi procurado em sua loja por um pobre, pai de família desempregado, em penosa situação econômica. Ouviu-lhe o relato de suas aflições, deu-lhe um pouco de dinheiro e disse-lhe que voltasse oito dias mais tarde.

 

Ao sair o necessitado, pela primeira vez na vida Fígner fez um pedido ao Carpinteiro de Nazaré: Se é, como dizem os cristãos, que Tu tens poder, ajuda a esse pobre pai de família; arranja-Lhe trabalho e meios de vida!

 

Oito dias mais tarde, voltava o homem com o sorriso dos felizes e lhe narrava: Já estou trabalhando e brevemente virei restituir seu dinheiro, Sr. Fígner. Fui procurado por uma pessoa que me convidou para um emprego inteiramente inesperado.

 

Fígner se entusiasmou e repetiu semelhantes pedidos, com resultados sempre positivos. Em vez de pedir a Jesus, passou a pedir a Maria e, igualmente, os resultados não se faziam esperar. Encheu-se da fé que transporta montanhas e estudou com entusiasmo o Espiritismo e o Cristianismo. Passou a consagrar sua vida ao serviço dos outros.

 

Daí a fazer parte da Federação Espírita Brasileira, como vice-presidente, tesoureiro e membro do Conselho Fiscal foi um pulo. Além de seus afazeres profissionais, onde fez fortuna, mantinha coluna no jornal Correio da Manhã, em que divulgava o Espiritismo.

 

Alma generosa, chegou a acolher em sua própria casa quatorze enfermos, vítimas do surto da gripe espanhola que assolou nosso país em 1918 e que conduziu muitos  à morte.

 

Seu trabalho em tomar ditado de receitas espíritas e dar passes a enfermos celebrizou-se em sua época. Chegava a anotar entre cento e cinquenta a duzentas receitas por dia e atender inúmeros necessitados, que conheciam sua dedicação através dos jornais.

 

Com uma disciplina digna de louvores, dividia seu tempo entre a atividade profissional e os afazeres espíritas, chegando a presidir diversos grupos na sede da Federação Espírita Brasileira e em seu lar. Promoveu a publicação de muitos livros, sempre custeando as edições.

 

Viajando ao Exterior, buscou contato com o médium Willy Hope, no Circle of Crew e encontrou-se na Inglaterra com Sir Arthur Conan Doyle.

 

Fred era um homem generoso e solidário. Pela própria natureza do trabalho, nas suas duas gravadoras, havia se tornado amigo de muitos músicos e cantores de sucesso. Em uma época que antecedeu à criação da Previdência, ficou consternado com a situação de penúria que alguns desses artistas tinham de enfrentar ao chegar à velhice.

 

Sensibilizado com esse verdadeiro drama social, não titubeou e decidiu doar o terreno, em Jacarepaguá, para a construção da modelar instituição Retiro dos Artistas, que funciona até os dias de hoje

 

Autodidata e de extrema coerência ao viver a Doutrina em sua plenitude, não deixou um grande livro com suas ideias. Fez mais: deixou suas obras e exemplo de servir com dignidade.

 

Em 1920, morreu-lhe a filha primogênita, e sua esposa ficou inconsolável. Ouvindo ele falar da médium de efeitos físicos,. Ana Prado, de Belém do Pará, decidiu-se a partir para o Norte.

 

No dia 1º de Abril de 1921, embarcou com toda a família. O que sucedeu naquelas sessões acha-se relatado no livro do Dr. Nogueira de Faria, intitulado O Trabalho dos Mortos.

 

Trabalhou e serviu abnegadamente até que a enfermidade o prendeu ao leito, poucos dias antes da partida. Completou oitenta anos em 2 de Dezembro de 1946 e, em 19 de Janeiro de 1947, às 20 horas, partiu para o mundo espiritual, deixando abertos caminhos de luz sobre a Terra que pisara por tanto tempo.

 

Ao se abrir seu testamento, verificou-se que Fred Fígner havia destinado parte substancial dos seus bens às obras sociais de Francisco Cândido Xavier.

 

Ao funeral compareceu uma multidão de amigos e admiradores. Diante da câmara mortuária, o Presidente da Federação Espírita Brasileira pronunciou palavras de despedida e o Vice-Presidente fez uma prece. Ao descer o ataúde ao jazigo, no Cemitério de São Francisco Xavier, falaram, com sentimento, os Drs. Miranda Ludolf, Lins de Vasconcellos e o Capitão Silva Pinto.

 

Desencarnado, Fígner escreveu, sob o pseudônimo de Irmão Jacob, pela psicografia de Francisco Cândido Xavier, o livro Voltei, editado pela Federação Espírita Brasileira.

 

Se não deixou uma grande obra literária enquanto encarnado, deixou-nos seu testemunho de como despertou na Espiritualidade. Em Voltei ele escreve: É para vocês - membros da grande família que tanto desejei servir - que grafei estas páginas, sem a presunção de convencer! Não se acreditem quitados com a Lei, por haverem atendido a pequeninos deveres de solidariedade humana, nem se suponham habilitados ao paraíso, por receberem a manifesta proteção de um amigo espiritual!

 

Trouxe-nos ensinamentos importantes através da autocrítica e reencontro com sua consciência desprendida da matéria. Admitiu os apegos à autoridade e seu orgulho.

 

Uma outra homenagem foi prestada ao dedicado companheiro espírita. Aspectos importantes de sua vida foram resgatados em uma exposição, num espaço cultural. É A Mansão Fígner - O Rio na Belle Époque, funcionando onde foi sua residência, à rua Marquês de Abrantes, 99, Flamengo, Rio de Janeiro. A mansão foi adquirida pelo Sesc-Rio de Janeiro, que a restaurou pelo minucioso trabalho de pesquisa do arquiteto Marcos Moraes de Sá. Um grande painel conta, de forma cronológica, fatos marcantes da vida de Fígner, juntamente com acontecimentos importantes da época. À época da inauguração, foi colocado à venda, no local, o livro A Mansão Fígner - O ecletismo e a casa burguesa no início do século XX.

 

Além de seus feitos, que estão imortalizados, fiquemos com a lembrança do homem, conforme nos relata Viriato Correia (1884-1967), jornalista, teatrólogo, romancista e membro da Academia Brasileira de Letras: Aos oitenta anos tinha as vibrações, os entusiasmos, as vivacidades das juventudes estouvadas. Quem o via pelas ruas, suado, chapéu atirado para a nuca, falando aqui, falando ali, numa pressa de moço de recados, pensava estar vendo um ganhador que, em cima da hora, corria para não perder a hora do negócio. No entanto, não era para ganhar que ele vivia a correr. Rico, muito rico, não precisava entregar-se à vassalagem do ganho. Corria para servir os outros, corria para ir ao encontro dos necessitados.


Fonte:
Boletim SEI - Serviço Espírita de Informação nº 1.822 de 1/3/2003.
XAVIER, Francisco C. Voltei. Rio de Janeiro: FEB, 1949.
WANTUIL, Zêus. Grandes Espíritas do Brasil. Rio de Janeiro: FEB, 1990.
Em 02.10.2012.

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