Carta de Allan Kardec, enviada de Sainte-Adresse, para onde se retirara a fim de trabalhar na obra O Evangelho segundo o Espiritismo, à sua esposa Amélie Boudet, que ficara em Paris.
Sainte-Adresse, domingo, 6 de setembro de 1863.
Minha cara Amélie,
Alegra-me a presteza com que me escreveste, apesar das ocupações a que por certo te entregavas naquele dia. Eu não estava inquieto porque sei que os Espíritos bons nos protegem, e contente fiquei por saber de tua chegada sem contratempos.
No mesmo dia fui levar tuas recomendações às Sras. Foulon e Mambarel, as quais te agradecem. Almocei e, no momento de partir, caiu um aguaceiro que me obrigou a tomar uma condução. Era o prenúncio de uma horrível tempestade que dura ainda. Não se pode fazer ideia do barulho ensurdecedor que se seguiu o dia inteiro e a noite, barulho de despertar os mortos, e, com mais forte razão, os vivos. Começo a me acostumar com os abalos de minha cabana. Realmente, é um belo espetáculo ver tudo isso da janela e estar abrigado ao mesmo tempo.
Após o almoço, estando ainda na casa da Sra. Foulon, a Sra. Mambarel obsequiou-me com uma comunicação a respeito de uma pastoral do bispo de Argel, cuja análise foi feita pela Sra. D´Ambel. Ela dá no que pensar. O mais interessante, porém, é que, tendo opinado que o arcebispo de Lyon provavelmente seguiria seu exemplo, minha presença neste momento naquela cidade teria sido inoportuna e me colocaria numa situação difícil; que provavelmente foi esse o motivo de me ter aconselhado a não ir lá. Em síntese, eis a resposta: Para muitos adeptos, a tua presença teria sido uma oportunidade para se manifestarem, por se sentirem obrigados por uma questão de devoção, Teria sido um pretexto para exercerem sobre eles perseguições que importa evitar neste momento, visto ser preciso reservar as forças para mais tarde. Os adversários esperavam tua chegada para isso e os falsos irmãos tirariam proveito da situação. Tua ausência frustrou-lhes o projeto. Esta a razão por que lá não devias ir, mesmo porque, de toda maneira, nós to teríamos impedido.
Darás conhecimento desta resposta ao Sr. D´Ambel e lhe dirás que eu ficaria muito contente se Erasto, a Verdade ou qualquer outro Espírito bom houvesse por bem me dar uma comunicação em meu retiro.
[...] À exceção do bom e do mau tempo, as novidades são muito restritas no que me respeita, razão porque encerro minha carta dizendo-te que estou bem de saúde e trabalhando sempre.
A tempestade parece acalmar-se um pouco; o Sol aparece, mas o horizonte ainda está carregado de nuvens de mau augúrio.
Adeus, cara Amélie, eu te abraço de todo o coração, rogando-te que me escrevas muitas vezes e recomendando-te que te cuides.
[assinado] HLD Rivail.
[...]Fico contente por Maria ter ido te esperar na estação ferroviária; é uma grande atenção da parte dela à qual agradeço.
[...]Não olvides de pôr, em tuas cartas, o endereço que eu havia esquecido: Rua da Praia.
O conteúdo desta primeira carta confirma, pois, em todos os pontos, o que figura em Obras póstumas, principalmente que Allan Kardec havia solicitado uma comunicação e acrescenta inúmeros detalhes, por exemplo, que Amélie havia acompanhado o marido e retornado a Paris, que Kardec residia em uma cabana à beira da praia, bem como as pessoas que conheceram naquela região, incluindo a Sra. Foulon, cuja menção encontramos no livro O céu e o inferno.
Em 24.7.2014.
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