Mil e duzentas sementes da verdade
O Senhor De Beau, com um pequeno atraso, depois de quase quatro meses de trabalho tipográfico, enviava os mil e duzentos exemplares de O Livro dos Espíritos ao livreiro Senhor Dentu, na manhã do dia 18 de abril de 1857.
Parando na Rue Montpensier, em frente a Galeria d’Orléans, número 13, no Palais Royal, em Paris, tendo percorrido os cerca de vinte quilômetros, desde Saint-Germain-en-Laye, nas cercanias da capital, o cocheiro e seu auxiliar descarregam os volumes do camion à chevaux.
Enquanto recolhiam os pacotes, Edouard-Henri-Justin-Dentu pegou um exemplar e levou-o à sua mãe Mélanie Dentu, que, tomando-o nas mãos, depois de um rápido exame da composição tipográfica, folheou-o de maneira saltada, uma vez conhecer muito bem seu conteúdo, e disse ao seu filho:
Prometi ao Senhor Rivail remeter-lhe um pacote logo que a obra nos chegasse. Não seria bom mandar o mensageiro deixar, de passagem, alguns pacotes consignados com Didier e Ledoyen [Galeria d´Orléans, número 31], que responderam ao nosso prospecto?
E assim foi feito.
Ao começar a abrir o pacote, a emoção tomou conta de Rivail. Gaby, ao seu lado, não continha as lágrimas. Sim, ali estava, diante de seus olhos o sonhado livro, uma verdadeira joia que vinha para enriquecer de valores morais a Humanidade.
Passadas algumas horas, por sua vez tendo endereçado alguns exemplares para determinadas pessoas muito chegadas, Rivail diz a Gaby, sua esposa:
Querida, vou até a livraria cumprimentar a Senhora Mélanie e seu filho Edouard, demarcando, com eles, o lançamento do nosso tão esperado livro. Volto em breve tempo. Eu aproveitarei e trarei a sua encomenda para podermos terminar os preparativos para a recepção de logo mais à noite.
Ele percorreu os dois quilômetros, aproximadamente, entre a Rue des Martyres e o Palais Royal quase sem se aperceber da caminhada e da passagem pelas ruas Rodier, Peletier, Provence, Richelieu, tal era seu estado de espírito, quase em êxtase, tamanha a felicidade que sentia.
Pela sua memória voltavam lembranças das primeiras referências e os primeiros contatos sobre as chamadas mesas girantes, as primeiras reuniões, as descobertas, as revelações, enfim o desbravar do continente da alma, as anotações dos ensinos, o livro em formação, sua estruturação, as revisões de conteúdo e forma, a escolha do título, que inicialmente pensou ser Religião dos Espíritos, a definição do nome do autor, optando-se pelo pseudônimo de Allan Kardec.
Finalmente, ali estava materializado em suas mãos o fruto de tanto trabalho, para o qual várias pessoas conjugaram os seus melhores esforços, sem se falar na falange dos Espíritos Benfeitores da Humanidade. Sabia que era o início de uma longa jornada até concluir a obra no seu todo, como lhe havia sido predito por Espíritos luminares. Mas a pedra angular para edificação de tempos novos estava fixada. A semente de uma revolução silenciosa para a Humanidade estava sendo plantada nesse dia.
Cada exemplar do Livro será um grão de vida nova lançada no coração dos homens. Se algumas sementes caírem em corações "maduros", haverá, por certo gloriosas renovações. Mil e duzentas sementes da Verdade estão lançadas hoje no terreno das mentes humanas, que hão de se reproduzir com o grão de mostarda. Se uma só frondejar, nosso esforço não foi em vão.
Repentinamente, viu-se tirado das suas cogitações com o abraço que recebia de Edouard, cumprimentando-o pela edição de O Livro dos Espíritos, enquanto entrava na Livraria Dentu, na Galeria d´Orléans. Antes de mais nada, Edou fez questão de mostrar-lhe um exemplar posto em destaque na principal vitrine, sobre uma forração em veludo vermelho.
Aquela visão aguçou-lhe, ainda mais, a emoção.
Rivail, agradecendo pelos comentários e pela atenciosa recepção, pediu licença e subiu ao mezanino pela escada em caracol da loja e foi encontrar-se com a Senhora Mélanie, viúva do seu amigo Dentu. Cumprimentando-a, entregou-lhe o exemplar do Livro que tinha em mãos, com dedicatória, enaltecendo o apoio recebido da família para que a edição acontecesse, e ali registrou sua profunda gratidão, também verbalmente.
Logo depois, tendo sabido que mais de cinquenta exemplares já haviam sido vendidos nas primeiras horas, despediu-se e retornou ao lar, sem deixar de providenciar as compras solicitadas por Gaby.
Chegou o entardecer daquele memorável dia de primavera, quando o sol se demorava um tanto mais para se pôr no horizonte.
O singelo apartamento do segundo andar, fundos, da Rue des Martyres, 8, abria suas portas para receber os poucos convidados, pois o espaço não acomodaria mais de vinte pessoas. Local simples, pequeno, muito bem cuidado, resplandecia com a acolhida dos anfitriões, que agora recepcionavam um a um. Ali estavam chegando as famílias Baudin, Roustan, Japhet, a Senhora De Plainemaison, os Senhores Fortier, Carlotti e Pâtier, Senhora Mélanie e seu filho Edouard, Senhores Canu, Leclerc e Clément, Senhora De Cardone e outros mais.
As horas que se seguiram foram de plena alegria, conversação nobre, recordações e comentários emocionados sobre o Livro, tudo sob a atenção carinhosa de Rivail e Amélie Boudet. Naturalmente que consumiam quitutes preparados por Gaby, além daqueles trazidos pelos convidados, costume que ainda hoje perdura.
Em dado momento, Prof. Rivail pediu a atenção de todos e fez rápida reprise dos passos dados até ali, chegando ao lançamento do Livro que motivava aquele encontro, enaltecendo nominalmente a participação de cada um dos que se congregaram na empreitada, e aproveitou para agradecer pelo que cada um fez. Concluiu, lembrando que por meio do Espiritismo, a Humanidade entraria numa nova fase, a do progresso moral que lhe é consequência inevitável, pois que os homens se tornarão melhores e, portanto, mais felizes, pela prática da mais pura moral evangélica, moral a que se tecem muitos louvores, mas que muito pouco se pratica.
O Espiritismo é forte, disse ele, porque assenta sobre as próprias bases da religião: Deus, a alma, as penas e as recompensas futuras.
Hoje, 18 de abril de 1857, começou a circular O Livro dos Espíritos, o Livro Luz, que veio para ficar, qual farol inapagável, indicando o Caminho, a Verdade e a Vida, consoante as palavras de Jesus. Juntos, rendamos nossa gratidão a Deus. E oraram.
Parando na Rue Montpensier, em frente a Galeria d’Orléans, número 13, no Palais Royal, em Paris, tendo percorrido os cerca de vinte quilômetros, desde Saint-Germain-en-Laye, nas cercanias da capital, o cocheiro e seu auxiliar descarregam os volumes do camion à chevaux.
Enquanto recolhiam os pacotes, Edouard-Henri-Justin-Dentu pegou um exemplar e levou-o à sua mãe Mélanie Dentu, que, tomando-o nas mãos, depois de um rápido exame da composição tipográfica, folheou-o de maneira saltada, uma vez conhecer muito bem seu conteúdo, e disse ao seu filho:
Prometi ao Senhor Rivail remeter-lhe um pacote logo que a obra nos chegasse. Não seria bom mandar o mensageiro deixar, de passagem, alguns pacotes consignados com Didier e Ledoyen [Galeria d´Orléans, número 31], que responderam ao nosso prospecto?
E assim foi feito.
Ao começar a abrir o pacote, a emoção tomou conta de Rivail. Gaby, ao seu lado, não continha as lágrimas. Sim, ali estava, diante de seus olhos o sonhado livro, uma verdadeira joia que vinha para enriquecer de valores morais a Humanidade.
Passadas algumas horas, por sua vez tendo endereçado alguns exemplares para determinadas pessoas muito chegadas, Rivail diz a Gaby, sua esposa:
Querida, vou até a livraria cumprimentar a Senhora Mélanie e seu filho Edouard, demarcando, com eles, o lançamento do nosso tão esperado livro. Volto em breve tempo. Eu aproveitarei e trarei a sua encomenda para podermos terminar os preparativos para a recepção de logo mais à noite.
Ele percorreu os dois quilômetros, aproximadamente, entre a Rue des Martyres e o Palais Royal quase sem se aperceber da caminhada e da passagem pelas ruas Rodier, Peletier, Provence, Richelieu, tal era seu estado de espírito, quase em êxtase, tamanha a felicidade que sentia.
Pela sua memória voltavam lembranças das primeiras referências e os primeiros contatos sobre as chamadas mesas girantes, as primeiras reuniões, as descobertas, as revelações, enfim o desbravar do continente da alma, as anotações dos ensinos, o livro em formação, sua estruturação, as revisões de conteúdo e forma, a escolha do título, que inicialmente pensou ser Religião dos Espíritos, a definição do nome do autor, optando-se pelo pseudônimo de Allan Kardec.
Finalmente, ali estava materializado em suas mãos o fruto de tanto trabalho, para o qual várias pessoas conjugaram os seus melhores esforços, sem se falar na falange dos Espíritos Benfeitores da Humanidade. Sabia que era o início de uma longa jornada até concluir a obra no seu todo, como lhe havia sido predito por Espíritos luminares. Mas a pedra angular para edificação de tempos novos estava fixada. A semente de uma revolução silenciosa para a Humanidade estava sendo plantada nesse dia.
Cada exemplar do Livro será um grão de vida nova lançada no coração dos homens. Se algumas sementes caírem em corações "maduros", haverá, por certo gloriosas renovações. Mil e duzentas sementes da Verdade estão lançadas hoje no terreno das mentes humanas, que hão de se reproduzir com o grão de mostarda. Se uma só frondejar, nosso esforço não foi em vão.
Repentinamente, viu-se tirado das suas cogitações com o abraço que recebia de Edouard, cumprimentando-o pela edição de O Livro dos Espíritos, enquanto entrava na Livraria Dentu, na Galeria d´Orléans. Antes de mais nada, Edou fez questão de mostrar-lhe um exemplar posto em destaque na principal vitrine, sobre uma forração em veludo vermelho.
Aquela visão aguçou-lhe, ainda mais, a emoção.
Rivail, agradecendo pelos comentários e pela atenciosa recepção, pediu licença e subiu ao mezanino pela escada em caracol da loja e foi encontrar-se com a Senhora Mélanie, viúva do seu amigo Dentu. Cumprimentando-a, entregou-lhe o exemplar do Livro que tinha em mãos, com dedicatória, enaltecendo o apoio recebido da família para que a edição acontecesse, e ali registrou sua profunda gratidão, também verbalmente.
Logo depois, tendo sabido que mais de cinquenta exemplares já haviam sido vendidos nas primeiras horas, despediu-se e retornou ao lar, sem deixar de providenciar as compras solicitadas por Gaby.
Chegou o entardecer daquele memorável dia de primavera, quando o sol se demorava um tanto mais para se pôr no horizonte.
O singelo apartamento do segundo andar, fundos, da Rue des Martyres, 8, abria suas portas para receber os poucos convidados, pois o espaço não acomodaria mais de vinte pessoas. Local simples, pequeno, muito bem cuidado, resplandecia com a acolhida dos anfitriões, que agora recepcionavam um a um. Ali estavam chegando as famílias Baudin, Roustan, Japhet, a Senhora De Plainemaison, os Senhores Fortier, Carlotti e Pâtier, Senhora Mélanie e seu filho Edouard, Senhores Canu, Leclerc e Clément, Senhora De Cardone e outros mais.
As horas que se seguiram foram de plena alegria, conversação nobre, recordações e comentários emocionados sobre o Livro, tudo sob a atenção carinhosa de Rivail e Amélie Boudet. Naturalmente que consumiam quitutes preparados por Gaby, além daqueles trazidos pelos convidados, costume que ainda hoje perdura.
Em dado momento, Prof. Rivail pediu a atenção de todos e fez rápida reprise dos passos dados até ali, chegando ao lançamento do Livro que motivava aquele encontro, enaltecendo nominalmente a participação de cada um dos que se congregaram na empreitada, e aproveitou para agradecer pelo que cada um fez. Concluiu, lembrando que por meio do Espiritismo, a Humanidade entraria numa nova fase, a do progresso moral que lhe é consequência inevitável, pois que os homens se tornarão melhores e, portanto, mais felizes, pela prática da mais pura moral evangélica, moral a que se tecem muitos louvores, mas que muito pouco se pratica.
O Espiritismo é forte, disse ele, porque assenta sobre as próprias bases da religião: Deus, a alma, as penas e as recompensas futuras.
Hoje, 18 de abril de 1857, começou a circular O Livro dos Espíritos, o Livro Luz, que veio para ficar, qual farol inapagável, indicando o Caminho, a Verdade e a Vida, consoante as palavras de Jesus. Juntos, rendamos nossa gratidão a Deus. E oraram.
Texto baseado em O Livro dos Espíritos e sua Tradição Histórica e Lendária, de Canuto Abreu, Edições LFU, 1992
Revisado em 10.4.2017.
Revisado em 10.4.2017.
© Federação Espírita do Paraná - 20/11/2014