Matéria publicada no Jornal Mundo Espírita :: setembro/2007
Não havia completado um ano do lançamento de O Livro dos Espíritos, que se deu no dia 18 de abril de 1857, e Allan Kardec iniciava, em janeiro de 1858, sob sua direção e totalmente às suas expensas, a edição mensal da Revista Espírita, jornal de estudos psicológicos, objetivando difundir ainda mais o Espiritismo, alcançando um público diversificado.
Mantendo na sua abertura uma de suas citações: "Todo efeito tem uma causa. Todo efeito inteligente tem uma causa inteligente. O poder da causa inteligente está na razão da grandeza do efeito", deixava à mostra a base do seu raciocínio, que o conduziu ao longo de toda a sua atividade à frente da magistral obra da Codificação da Doutrina Espírita.
Lembremos que o seu trabalho de elaboração dos livros espíritas e da Revista, deu-se na segunda metade do século 19, quando inexistiam maiores recursos para a escrita e impressão de livros, era tudo escrito à mão, sem a claridade da luz elétrica. Durante os rigores do inverno europeu, também não havia a facilidade dos aquecedores elétricos ou a gás.
E ele superou esses e tantos outros obstáculos.
A sua lógica, a sua didática, a sua capacidade expositiva e a sua concisão deram aos seus escritos um estilo todo próprio, de uma clareza e facilidade de entendimento ímpar.
Mensagem ditada pelo Espírito Barbaret, publicada na Revista Espírita de outubro de 1862, dá mostras do seu pensamento sobre o conteúdo e a forma dos trabalhos escritos, que aqui reproduzimos, na qual há destaque sobre O Livro dos Espíritos: "Buscai na palavra a sobriedade e a concisão: poucas palavras, muitas coisas. A linguagem é como a harmonia: quanto mais erudita quisermos torná-la, menos melodiosa. A verdadeira ciência é sempre aquela que impressiona; não alguns sibaritas entediados, mas a massa inteligente que, desde muito tempo, é desviada do caminho do verdadeiro belo, que é o da simplicidade. A exemplo de seu Mestre, os discípulos do Cristo haviam adquirido esse profundo saber de bem-dizer, sobriamente, e seu falar, como o de Jesus, era marcado por essa graça delicada, essa profundeza que, em nossos dias, numa época em que tudo mente ao nosso redor, fazem ainda das grandes vozes do Cristo e dos apóstolos modelos inimitáveis de concisão e de precisão.
Mas a verdade desceu do alto; os Espíritos superiores, como os apóstolos dos primeiros dias da era cristã, vêm ensinar e dirigir. O Livro dos Espíritos é toda uma revolução, porque é conciso e sóbrio: poucas palavras, muitas coisas; nada de flores de retórica, nada de imagens, mas somente pensamentos grandes e fortes, que consolam e fortalecem. Por isso agrada, e agrada porque é facilmente compreendido: aí está a marca da superioridade dos Espíritos que o ditaram.
Por que há tantas comunicações oriundas de Espíritos que se dizem superiores, repletas de insensatez, de frases empoladas e floreadas? uma página para nada dizer? Ficai certos de que não são Espíritos superiores, mas pseudo-sábios, que julgam produzir efeito, substituindo por palavras o vazio das idéias, a profundeza do pensamento pela obscuridade. Não podem seduzir senão os cérebros vazios como os deles, que tomam bijuterias por ouro legítimo e julgam a beleza de uma mulher pelo brilho de seu adorno.
Desconfiai, pois, dos Espíritos verbosos, de linguagem empolada e deliberadamente ininteligível, que é preciso escavar a cabeça para compreender. Reconhecereis a verdadeira superioridade pelo estilo conciso, claro e inteligível sem esforço de imaginação. Não meçais a importância das comunicações pela sua extensão, mas pela soma das idéias que elas encerram sob o menor volume. Para ter o tipo da superioridade real, contai as palavras e as idéias, - refiro-me às idéias justas, sadias e lógicas - a comparação vos dará a medida exata.
O seu zelo pelo estilo da boa comunicação escrita, também é encontrado no texto extraído da Revista Espírita de junho de 1862, que vem como nota de artigo denominado O Espiritismo filosófico: "(...) Essas publicações serão tanto mais úteis quanto feitas com ordem e método, e tanto mais produziriam um efeito contrário quanto mais o fossem, sem discernimento e sem escolha. Há comunicações que são excelentes para a intimidade, mas que seriam inconvenientes se tornadas públicas. Outras, para serem compreendidas e não darem lugar a falsas interpretações, necessitam de comentários e de desenvolvimentos. Nas comunicações muitas vezes é preciso deixar à parte a opinião pessoal do Espírito que fala, e que, se não for muito avançado, pode se formar sobre os homens e as coisas idéias, sistemas que nem sempre são justos. Essas idéias falsas, publicadas sem correções, não podem senão lançar o descrédito sobre o Espiritismo, fornecer armas aos seus inimigos, e semear a dúvida e a incerteza entre os novatos. Com os comentários e as explicações dadas a propósito, algumas vezes, o próprio mal pode tornar-se instrutivo; sem isso, poder-se-ia tornar a Doutrina responsável por todas as utopias enunciadas por certos Espíritos mais orgulhosos do que lógicos. Se o Espiritismo pudesse ser retardado em sua marcha, não seria pelos ataques abertos de seus inimigos declarados, mas pelo zelo irrefletido dos amigos imprudentes. Não se trata, pois, de fazer coletâneas indigestas, onde tudo se encontre amontoado em desordem, e do qual o menor inconveniente seria o de entediar o leitor; é preciso evitar com cuidado tudo o que poderia falsear a opinião sobre o Espiritismo (...).
Neste ano de 2007, o Movimento Espírita, ou seja, os espíritas e suas organizações de maneira geral, homenageiam os 150 anos de O Livro dos Espíritos, que podemos dizer homenageiam o surgimento do Espiritismo.
Não podemos prestar homenagem à obra, sem prestar homenagem ao grande obreiro que foi Allan Kardec que, com enormes sacrifícios, alta dose de renúncia, forte espírito de persistência, com coragem indobrável e ânimo inquebrantável, sozinho, com apoio e suporte quase que apenas recebido de sua amada esposa Amélie Gabrielle Boudet, a meiga Gaby, legou para a Humanidade um celeiro de bênçãos em forma de livros, cujo conteúdo ditaram os Espíritos Sublimes, enquanto nas chamadas Obras da Codificação, já que, na Revista Espírita, praticamente todo o conteúdo escrito de notícias, comentários, observações, explicações e ensinos, foi trabalho de Allan Kardec.
O conhecimento básico do Espiritismo pede a leitura e estudo também da coleção Revista Espírita, publicada desde janeiro de 1858 até abril de 1869, sob a direção de Allan Kardec.
© Federação Espírita do Paraná - 20/11/2014