Matéria publicada no Jornal Mundo Espírita :: junho/2005
Deve-se publicar tudo quanto dizem os Espíritos?
(...) Há comunicações que podem prejudicar essencialmente a causa que querem defender, em intensidade superior aos ataques grosseiros e às injúrias de certos adversários; se algumas fossem feitas com tal objetivo, não alcançariam melhor êxito.
(...)Publicar sem exame, ou sem correção, tudo quanto vem dessa fonte seria, em nossa opinião, dar prova de pouco discernimento.
Allan Kardec, Revista Espírita, nov/1859
Uma coisa pode ser excelente em si mesma, muito boa para servir de instrução pessoal, mas o que deve ser entregue ao público exige condições especiais. Infelizmente o homem é propenso a imaginar que tudo o que lhe agrada deve agradar aos outros. O mais hábil pode enganar-se; o importante é enganar-se o menos possível. Há Espíritos que se comprazem em fomentar essa ilusão em certos médiuns; por isso nunca seria demais recomendar a estes últimos que não confiassem em seu próprio julgamento. É nisto que os grupos são úteis: pela multiplicidade de opiniões que eles permitem colher. Aquele que, neste caso, recusasse a opinião da maioria, julgando-se mais iluminado que todos, provaria sobejamente a má influência sob a qual se acha.
Aplicando esses princípios de ecletismo* às comunicações que nos são enviadas, diremos que em 3.600 há mais de 3.000 que são de uma moralidade irreprochável, e excelentes como fundo; mas que desse número nem 300 merecem publicidade e apenas 100 têm mérito fora do comum. Como essas comunicações vieram de muitos pontos diferentes, inferimos que a proporção deve ser mais ou menos geral. Por aí pode julgar-se da necessidade de não publicar inconsideradamente tudo quanto vem dos Espíritos, se quisermos atingir o objetivo a que nos propomos, tanto do ponto de vista material quanto do efeito moral e da opinião que os indiferentes possam fazer do Espiritismo.
Resta-nos dizer algumas palavras sobre manuscritos ou trabalhos de fôlego que nos remeteram, entre os quais, não encontramos, em trinta, mais que cinco ou seis de real valor. No mundo invisível, como na Terra, não faltam escritores, mas os bons são raros.
Tal Espírito é apto a ditar uma boa comunicação isolada, a dar excelente conselho particular, mas incapaz de produzir um trabalho de conjunto completo, passível de suportar um exame, sejam quais forem suas pretensões e o nome com que se disfarce como garantia. Quanto mais alto o nome, maior o cuidado. Ora, é mais fácil tomar um nome do que justificá-lo; eis por que, ao lado de alguns bons pensamentos, encontram-se, muitas vezes, idéias excêntricas e traços inequívocos da mais profunda ignorância.
É nessas modalidades de trabalhos mediúnicos que temos notado mais sinais de obsessão, dos quais um dos mais freqüentes é a injunção* por parte do Espírito de os mandar imprimir; e alguns pensam erradamente que tal recomendação é suficiente para encontrar um editor atencioso que se encarregue da tarefa.
É principalmente em semelhante caso que um exame escrupuloso é necessário, se não nos quisermos expor a fazer discípulos à nossa custa. É, ainda, o melhor meio de afastar os Espíritos presunçosos e pseudossábios, que se retiram inevitavelmente quando não encontram instrumentos dóceis a quem façam aceitar suas palavras como artigos de fé. A intromissão desses Espíritos nas comunicações é, fato conhecido, o maior escolho do Espiritismo.
Toda precaução é pouca para evitar as publicações lamentáveis. Em tais casos, mais vale pecar por excesso de prudência, no interesse da causa.
Exame das Comunicações Mediúnicas que nos são Enviadas, de Allan Kardec, inserido na Revista Espírita de maio/1863.
Ecletismo: Qualquer teoria, prática ou disposição de espírito que se caracteriza pela escolha do que parece melhor entre várias doutrinas, métodos ou estilos. Dicionário Houaiss.
Injunção: ato de injungir, de ordenar expressamente uma coisa; ordem precisa e formal. Imposição, exigência, pressão. Dicionário Houaiss.
© Federação Espírita do Paraná - 20/11/2014