Kardec e movimento espírita

Matéria publicada no Jornal Mundo Espírita :: abril/2005

 

Já é muito, sem dúvida, crer, mas a crença apenas não é suficiente, se ela não oferece resultados e isso, infelizmente, tem ocorrido em muitos casos.

 

Faço referência àqueles para os quais o Espiritismo não passa de um fato, de uma bela teoria, uma letra morta que não produz, na estrutura íntima dessas pessoas, nenhuma transformação, nem em seu caráter, nem em seus hábitos.

 

Mas, ao lado dos espíritas simplesmente crentes ou simpáticos à idéia, há os espíritas de coração, e nos confessamos felizes por havermos deparado com eles em grande número. Vimos transformações que poderiam ser rotuladas de miraculosas, recolhemos admiráveis exemplos de zelo, de abnegação e de devotamento, numerosos casos de caridade verdadeiramente evangélica que poderíamos, com justiça, denominar: Os belos traços do Espiritismo.

 

Vale aqui lembrar que as reuniões exclusivamente compostas de verdadeiros e sinceros espíritas, daqueles nos quais fala o coração, apresentam um aspecto muito especial: todas as fisionomias refletem a franqueza e a cordialidade. Nós nos encontramos à vontade nesses ambientes simpáticos, verdadeiros templos onde reina a fraternidade. Tanto quanto os homens, os espíritos aí se comprazem, e é então que se revelam mais expansivos, que oferecem as orientações de caráter mais íntimo.

 

Pelo contrário, nos ambientes onde se registram divergências de sentimentos, onde as intenções não são puras ou onde se observa o sorriso sardônico e desdenhoso em certos lábios, onde se sente o sopro da malquerença e do orgulho, onde se teme a cada instante pisar o pé da vaidade ferida, há sempre constrangimento, embaraço e desconfiança. Em tais locais os próprios Espíritos são mais reservados e os médiuns muitas vezes vêem-se paralisados pela influência dos maus fluidos que sobre eles pesam como um manto de gelo. Tivemos a ventura de assistir a numerosas reuniões que se enquadram na primeira categoria e registramo-las com grande alegria em nossos apontamentos, como as mais agradáveis lembranças que guardamos de nossa viagem. Reuniões desta natureza se multiplicarão sem dúvida à medida que a verdadeira finalidade do Espiritismo for melhor compreendida. Essas são, igualmente, as que fazem a mais frutuosa e mais sólida propaganda, pois que reúnem pessoas bem intencionadas e preparam a reforma moral da Humanidade pregando pelo exemplo.(1)

 

Em resumo, nossa viagem tinha uma dupla finalidade: oferecer orientações onde destas houvesse necessidade e, ao mesmo tempo, nos instruirmos a nós mesmos. Desejávamos ver as coisas com nossos próprios olhos, para julgar do estado real da doutrina e da maneira pela qual ela é compreendida; estudar as causas locais favoráveis ou desfavoráveis ao seu progresso, sondar as opiniões, apreciar os efeitos da oposição e da crítica e conhecer o julgamento que se faz de certas obras.

 

Estávamos desejosos, sobretudo, de apertar a mão de nossos irmãos espíritas e de lhes exprimir pessoalmente nossa sincera e viva simpatia, retribuindo tocantes provas de idênticos sentimentos que nos chegam, por suas cartas; dar, em nome da Sociedade de Paris e em nosso próprio nome, em particular, um testemunho especial de gratidão e de admiração a esses pioneiros da obra espírita que, por sua iniciativa, seu zelo desinteressado e seu devotamento, constituem dela os primeiros e mais firmes sustentáculos, a esses que caminham sempre em frente, sem se inquietarem com as pedras que se lhes atiram, colocando o interesse da causa espírita à frente de seus interesses pessoais.

 

Seu mérito é tanto maior porque trabalham em solo ingrato, vivem em um meio refratário e não esperam deste mundo nem fortuna, nem glória, nem honrarias.

 

Seu júbilo, porém, é grande quando, entre os abrolhos, vêem desabrochar algumas flores. Dia virá em que teremos a felicidade de erguer um Panteon ao devotamento dos espíritas. Esperando que esta circunstância se apresente, queremos deixar-lhes o mérito da modéstia: eles se fazem conhecer e apreciar por suas próprias obras. (2)

 

Espíritas, sois os pioneiros dessa grande obra. Tornai-vos dignos da gloriosa missão, cujos primeiros frutos já recolheis. Pregai por palavras, mas, sobretudo, pregai por exemplos. Comportai-vos de modo a que, em vos vendo, não possam dizer que as máximas que ensinais são palavras vãs em vossos lábios. A exemplo dos apóstolos, fazei milagres, pois, para isso, Deus concedeu-vos o dom! Não milagres que chocam os sentidos, porém milagres de caridade e amor. Sede bons para com vossos irmãos, sede bons para com o mundo inteiro, sede bons para com vossos inimigos!

 

A exemplo dos apóstolos, expulsai os demônios. Para isso tendes o poder, e eles pululam em torno de vós, os demônios do orgulho, da ambição, da inveja, do ciúme, da cupidez, da sensualidade, que alimentam todas as más paixões e semeiam por entre vós os pomos da discórdia.

 

Expulsai-os de vossos corações, a fim de que tenhais a força necessária para expulsá-los dos corações alheios. (3)


1. Kardec, Allan. Viagem Espírita em 1862, 2. ed., p. 29- 30.
2. __________ Op. cit. pp. 41 e 42.
3. __________ Op. cit. pp. 97 e 98.

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