Discurso de Kardec em 19.9.1861, em Lyon
Discurso do Sr. Allan Kardec
Senhoras e Senhores, todos vós, meus caros e bons irmãos em Espiritismo.
Se há circunstâncias em que se possa lamentar a insuficiência de nossa pobre linguagem humana, é quando se trata de exprimir certos sentimentos. E tal é, no momento, a nossa posição. O que experimento é, ao mesmo tempo, uma surpresa muito agradável, quando vejo o terreno imenso que a doutrina espírita ganhou entre vós desde um ano1; e eu admiro a Providência; uma alegria indizível à vista do bem que ela aqui produz, consolações que espalha sobre tantas dores ostensivas ou ocultas, do que deduzo o futuro que a aguarda; é uma felicidade inexprimível encontrar-me em meio a esta família que, em pouco tempo, se tornou tão numerosa, e que cresce diariamente; é, enfim, e acima de tudo, uma profunda e sincera gratidão pelos tocantes testemunhos de simpatia que de vós recebo.
Esta reunião tem um caráter particular. Graças a Deus! Aqui somos todos bem bons Espíritas, penso eu, para não ver senão o prazer de nos acharmos juntos, e não o de nos acharmos à mesa. E, diga-se de passagem, creio mesmo que um festim de Espíritas seria uma contradição. Presumo, também, que convidado tão graciosamente e com tanta instância para vir ao vosso meio, não pensastes que um banquete fosse para mim motivo de atração. Foi o que me apressei de escrever aos meus bons amigos Rey e Dijoud, quando se desculparam pela simplicidade da recepção. Porque, ficai bem certos, o que mais me honra nesta circunstância, aquilo de que posso, com razão, estar orgulhoso, é a cordialidade e a sinceridade do acolhimento, o que se encontra muito raramente nas recepções aparatosas, pois aqui não há máscaras nos rostos.
Se uma coisa pudesse atenuar a felicidade que tenho de me achar entre vós, seria de não poder ficar mais tempo; ter-me-ia sido muito agradável prolongar minha demora num dos centros mais numerosos e mais zelosos do Espiritismo; mas, desde que desejastes receber de mim algumas instruções, certamente não levareis a mal que eu utilize todos os instantes, saia um pouco das banalidades muito comuns em semelhantes circunstâncias e que minha alocução assuma uma certa gravidade, pela mesma gravidade do motivo que nos reúne. Certamente se estivéssemos num jantar de bodas ou de batizado, seria intempestivo falar de almas, da morte, da vida futura. Mas, repito, aqui estamos para nos instruirmos mais do que para comer e, em todo o caso, não é para nos divertirmos.
Não julgueis, senhores, que esta espontaneidade que vos levou a vos reunirdes aqui seja um fato puramente pessoal. Esta reunião, não duvideis, tem um caráter especial e providencial: uma vontade superior a provocou; mãos invisíveis vos empurraram, mau grado vosso, e talvez um dia a marque nos fastos do Espiritismo. Possam os nossos irmãos futuros lembrar este dia memorável, em que os Espíritas lioneses, dando exemplo de união e concórdia plantaram, no primeiro ágape, a primeira balisa da aliança, que deve existir entre os Espíritas de todos os países do mundo; porque o Espiritismo, restituindo ao Espírito seu verdadeiro papel na Criação, constatando a superioridade da inteligência sobre a matéria, apaga naturalmente todas as distinções estabelecidas entre os homens conforme as vantagens corporais e mundanas, sobre as quais só o orgulho fundou as castas e os estúpidos preconceitos da cor.
Alargando o círculo da família pela pluralidade das existências, o Espiritismo estabelece entre os homens uma fraternidade mais racional que a que tem por base apenas os frágeis laços da matéria, pois esses laços são perecíveis, ao passo que os do Espírito são eternos. Uma vez bem compreendidos, tais laços Einfluirão, pela força das coisas, nas relações sociais e, mais tarde, na legislação social, que tomará por base as leis imutáveis do amor e da caridade.
Ver-se-ão então desaparecerem essas anomalias que chocam os homens de bom senso, como as leis da Idade Média chocam os homens de hoje. Mas isto é obra do tempo; esperemos tudo de sua sabedoria e rendamos-lhe graça por nos ter permitido assistir à aurora que surge para a Humanidade e por nos haver escolhido como os primeiros pioneiros da grande obra que se prepara. Que ele se digne espalhar sua bênção sobre esta assembleia, a primeira em que os adeptos do Espiritismo estão reunidos em tão grande número2, com o sentimento de verdadeira confraternidade.
Extrato do Discurso de Allan Kardec, no banquete que lhe foi
oferecido em 19 de setembro de 1861, pelos vários grupos de
espíritas lioneses – Revista Espírita, ano IV, v. 10, outubro 1861.
oferecido em 19 de setembro de 1861, pelos vários grupos de
espíritas lioneses – Revista Espírita, ano IV, v. 10, outubro 1861.
2.Estavam presentes cento e sessenta convivas, enquanto no ano anterior, eram somente trinta.
Em 25.1.2019.
© Federação Espírita do Paraná - 20/11/2014