Bicentenário de Nascimento de Allan Kardec V

5 ª matéria publicada no Jornal Mundo Espírita :: julho/2004

 

Em 1865, no dia 31 de janeiro Allan Kardec esteve seriamente doente. Informa ele a um amigo belga, Monsieur Judermühle que, em razão da fadiga, pelo excesso de trabalho, foi acometido de um reumatismo interno que se estendeu ao coração e aos pulmões.

 

Foi nessa oportunidade que o espírito Antoine Demeure, desencarnado naquele mesmo janeiro, dia 25, aos 71 anos, escreveu ao Codificador. Eles não se haviam conhecido pessoalmente, antes somente se correspondiam.

 

A mútua e viva simpatia entre ambos, entretanto, não cessou com a morte. O médico homeopata, que abraçara a Doutrina Espírita com ardor e dela foi um perseverante divulgador, em mensagem do dia 1º de fevereiro, portanto, apenas 7 dias de sua desencarnação, assinala a Kardec: "Está muito quente aqui: esta fumaça é irritante. Enquanto estiverdes doente, convém não fazer lume, a fim de não aumentar a vossa opressão. Os gases que aí se desprendem são deletérios. Vosso amigo Demeure." (1)

 

No dia seguinte, informa: "Venho dizer-lhe que o acompanhava quando lhe sobreveio o acidente [o distúrbio]. Este seria certamente funesto sem a intervenção eficaz para a qual me 1 ufano de haver concorrido." (1)

 

Esse espírito, como o próprio Hahnemann, o criador da Homeopatia, também desencarnado, fazia parte da falange protetora de Kardec.

 

No ano seguinte, 1866, no mês de abril, Kardec voltaria a enfermar. O amigo Demeure lhe traz novos conselhos, visando a restauração de suas forças físicas, bem assim sugestões quanto aos seus afazeres doutrinários e ao grande volume de cartas que lhe exigiam resposta.

 

Apresenta-se como "...o delegado de todos os Espíritos que poderosamente têm contribuído para a propagação do ensino, mediante suas sábias instruções." (1)

 

Alerta-o que "As forças humanas têm limites que o desejo de que o ensino progrida te leva muitas vezes a ultrapassar." (1)

 

"Ouve-me" - escreve ainda - "deixa para mais tarde as grandes obras destinadas a completar a que está esboçada nas tuas primeiras publicações..." (1)

 

O cuidado do Alto para com o missionário lionês nos dá a dimensão de quanto vela o Cristo por seus servos, os que tudo sacrificam à propagação da Verdade.

 

Foi exatamente durante o período dessa enfermidade que lhe conferia sonolência e um esgotamento quase contínuos, que, na noite de 24 de abril, Kardec teve um sonho-visão.

 

Conforme se encontra na Revue Spirite daquele ano, assim relata: "Num lugar de que eu não tinha nenhuma memória, e que se parecia com uma rua, havia um grupo de indivíduos que conversavam entre si.

 

Somente alguns deles nos eram conhecidos no sonho, mas sem que pudéssemos designá-los pelos nomes. Observávamos essa multidão e procurávamos captar o assunto da conversa, quando subitamente apareceu no canto de uma parede uma inscrição em caracteres pequenos, brilhantes como fogo, e que nos esforçamos em decifrar. Ela estava assim concebida: 'Descobrimos que a borracha enrolada sob a roda faz uma légua em dez minutos, desde que a estrada...'

 

Enquanto procurávamos o fim da frase, a inscrição foi pouco a pouco desaparecendo, e acordamos. Com receio de esquecer essas singulares palavras, apressamo-nos em registá-las." (3)

 

O que seria essa borracha, enrolada sob a roda, era o que Kardec se perguntava, ao despertar. Uma nova invenção? Mas, se o fosse, por que dirigir a ele tal informação, não a um especialista com estudo e experiências necessários?

 

Posteriormente, o Dr. Demeure lhe explicaria que o que ele vira em sonho fora uma reunião de espíritos encarnados que, separadamente, durante a vigília, se ocupavam com invenções tendentes a aperfeiçoar os meios de locomoção.

 

Nada tinha a descoberta, em si mesma, a ver com o Espiritismo. O objetivo era chamar a atenção do Codificador para a reunião, a título de estudo, desde que, continuava o Dr. Demeure, acontece com freqüência.

 

"Ficai persuadido de que freqüentemente isso acontece, e que quando vários homens descobrem ao mesmo tempo, seja uma nova lei, seja um novo corpo, em diferentes pontos do Globo, seus espíritos estudaram a questão em conjunto, durante o sono, e, ao despertar, cada um trabalha por seu lado, utilizando o fruto de suas observações." (3)

 

Ele nem poderia imaginar que em 1887, Dunlop utilizaria a borracha para revestir as rodas do triciclo de seu filho, um invento que ele patentearia no ano seguinte.

 

Este sonho encerra, com certeza, uma das mais curiosas premonições tecnológicas. Com mais de 20 anos de antecedência, ele tivera uma inspiração onírica.


01. KARDEC, Allan. Espíritos felizes. In-___. O céu e o inferno. 47. ed. Rio de Janeiro- FEB, 2001. pt. 2, cap. 2.02. ______. Instrução relativa à saúde do Sr. Allan Kardec. In-___. Obras póstumas. 15. ed. Rio de Janeiro- FEB, 1975. pt. 2.03. ______. Revista espírita. São Paulo- EDICEL, v. 9, jun.1866.-04. WANTUIL, Zeus; THIESEN, Francisco. Missão cumprida; solenes despedidas

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