8 ª matéria publicada no Jornal Mundo Espírita :: outubro/2004
À semelhança de Paulo de Tarso, escrevendo suas epístolas às comunidades cristãs nascentes, Allan Kardec, a seu tempo, alimentou com seu verbo lúcido, clareza e lógica os grupos que se multiplicavam por toda parte.
Igualmente, espírito nobre, responde a cartas particulares que lhe são endereçadas, algumas encaminhando-lhe, inclusive, material para apreciação e análise.
Sua superioridade moral emerge das palavras, conceitos e atitudes. Sobretudo, ressalta sua humildade, fortaleza de todas as horas e que lhe permitiu conservar a serenidade e tranqüilidade na luta, até o final da jornada.
Em 30 de dezembro de 1865, Kardec responde ao Sr. Villou: "...estais enganado pensando que estou impaciente por deixar a Terra. Certamente, não é ela uma mansão agradável, mas, como minha tarefa não está ainda cumprida, peço a Deus que me dê forças e tempo para terminá-la.(...)" (1)
Em 13 de janeiro do mesmo ano, escreveu à Sra. Bouillant, de Lyon, em resposta à missiva que lhe fora endereçada: "...Desejais tanto estar comigo em minha próxima volta à terra que me recomendais incessantemente não me esquecer de vos inscrever. Não sabeis a quanto vos comprometeis; a tarefa será, talvez, mais rude do que supondes. Ser-me-ão necessários companheiros firmes que não recuem diante de nada; eu os manterei na vanguarda. Tanto pior para vós se vos arrependerdes mais tarde; estais arregimentados, vós e o Sr. Bouillant, e não podeis mais recuar, a menos de ser desertor." (1)
Polidamente e com delicadeza, conclui: "Cumprimentos ao Sr. Bouillant e acreditai no devotamento de Allan Kardec." (1)
Em carta dirigida à sra. M., percebe-se a atenção que o Codificador devotava às pessoas, conferindo importância a cada uma.
"Cara Senhora. Embora tenha tido o prazer de ver o Sr. M... na sexta-feira última, não me julgo dispensado de agradecer-vos pessoalmente a boa e afetuosa carta que tivestes a bondade de escrever-me e os testemunhos de simpatia que ela encerra." (1)
São detalhes pequenos, onde a grandeza do espírito é demonstrada. A missiva é longa e, em certo ponto, registra: "Não me lamenteis, porque eu próprio não me queixo; tenho a pele de um elefante para as mordidelas; ela é à prova de bala. Tenho além disso tantos bálsamos para acalmá-las, quando não fossem cartas da natureza da vossa. Tudo isso é necessário e tem sua utilidade. Jesus não teve seu Judas? Ora, eu, que estou longe de ser Jesus, devo admirar-me de os ter, às dúzias?" (1)
E conclui, com a lhaneza de um cavalheiro ímpar: "A Sra. Allan Kardec incumbe-me de vos apresentar e a vossas senhoritas os mais afetuosos cumprimentos e eu vos ofereço, assim como a toda a família, a expressão de meu inteiro devotamento." (1)
Ressalta sua modéstia e humildade, em correspondência que remete a um Sr. J. P. Sanson, de Madrid, que lhe encaminhara uma coletânea de poesias que escrevera, com a finalidade de popularizar na Espanha as idéias espíritas.
O mestre assim lhe responde: "Sr. só muito tardiamente recebi vossa carta de 24 de setembro de 1865, assim como o volume de poesias que a acompanhava. Não agradeci mais cedo, porque, não compreendendo a linguagem espanhola, não podia apreciá-las por mim mesmo, a meu pesar. Tive de confiá-las a pessoa mais capaz e só há pouco tempo foi-me restituído o volume com uma análise que me prova quanto a nossa bela doutrina felizmente vos inspirou. É uma mina fecunda para a literatura e as belas-artes, que um dia nela se avigorarão largamente.(...)" (1)
Para o sr. Normand, advogado e secretário da Sociedade Espírita de Tours, escreveu a 5 de janeiro de 1863: "...em presença de semelhante resultado (pertinente ao futuro da humanidade), as questões de pessoas devem desaparecer, como quando se trata de uma grande batalha que deve decidir da sorte de um império. Considerar-me-ia feliz se pudesse inscrever a Sociedade Espírita de Tours no número dos melhores trabalhadores e aqueles que a dirigem no número dos melhores generais da grande falange espírita; mas, não se deve perder de vista que o melhor general é aquele que sabe aliar a prudência à coragem. Se virdes o inimigo extraviar-se, não vos apresseis em atacá-lo; deixai-o, ao contrário, embaraçar-se na sua própria rede e então não tereis grande trabalho para vencê-lo, porque ele se enfraquece e se desacredita e mata-se a si mesmo por seus próprios excessos." (1)
Com extraordinária lucidez, escreveu Allan Kardec: "Minha correspondência será um dia, quando eu tiver desaparecido, uma coisa bem curiosa: será o mais vasto repertório da história do Espiritismo moderno." (1)
© Federação Espírita do Paraná - 20/11/2014