Um arauto na Samaria
A tradição oral acatou e conservou, até os nossos dias, a denominação de A Iluminadora, que lhe conferiram os primitivos cristãos, que se nutriram na sua coragem de proclamar as imperfeições e pela afeição com que se ligou a Jesus.
Calcula-se que o fato se deva ter dado entre os meses de dezembro/janeiro, pois que, em seu diálogo posterior, registrado pelo Evangelista João (4:35), Jesus se refere à colheita do trigo que se deveria dar quatro meses empós, o que seria, pois, entre os meses de março ou abril.
Jesus se encontrava na Pereia, quando soube da prisão de João Batista e, com o intuito de não acirrar ainda mais os ódios dos Seus inimigos, com a Sua presença, retirou-Se para a Galileia.
Havia três caminhos a escolher: um, pelo litoral do Mar Mediterrâneo, outro, pelas margens do Jordão e, finalmente, pelo interior da Samaria. Este último foi o que o Mestre preferiu.
Ele deseja um encontro. Galga a serra de Efraim, contornando o monte sagrado onde os samaritanos adoravam Jeová. O caminho é áspero e cansativo, desenvolvendo-se sobre despenhadeiros, entre pedregulhos e calhaus.
À hora sexta (meio-dia) Jesus e os discípulos atingem o fundo do declive, onde os prados se desenrolam, cobertos pelas searas e se ergue, todo em alvenaria, o Poço de Jacó. Era costume, entre os samaritanos, denominar as localidades com nomes patriarcais.
Os companheiros se dirigem à cidade próxima, Sicar, a fim de adquirir pão e frutas. O Mestre prefere esperar.
É como se Ele tivesse marcado um encontro. Ele aguarda. Quem? Será um personagem importante ou uma alma virtuosa? Não; a pessoa que virá será alguém sem nenhuma importância e carregada de culpas.
Não tardou a aparecer uma mulher samaritana. Trazia um cântaro à cabeça e, ao deparar com o judeu, estaca. Depois, meio a medo, ela passa por ele, dirige-se ao poço. Amarra as asas do cântaro à corda, e colhe a água. Coloca a bilha sobre o poial e quando vai levantá-la ao ombro, ouve:
Dá-me de beber.
A samaritana estranha o pedido. Será com ela mesma? Um judeu pedindo favor? Judeus e samaritanos olhavam-se com despeito, julgando-se superiores os primeiros e considerando os segundos impuros, porque se haviam mesclado aos imigrantes pagãos, que tinham dominado a Samaria.
Um outro detalhe ainda a surpreende. Ela é uma mulher, a quem o homem não dirige a palavra em público, mesmo seja sua esposa, mãe ou irmã.
Um tanto irônica, extravasa a própria amargura e lhe diz:
Como sendo tu judeu, me pedes de beber a mim, que sou mulher samaritana?
A resposta do Rabi não revela aspereza, nem revide:
Se tu conhecesses o dom de Deus, e quem é o que te diz: dá-me de beber, tu lhe pedirias, e ele te daria água viva.
Como alguém que nem tem com que tirar a água do poço, poderia ofertar água? – É o que ela indaga, para ouvir a respeito da água viva com que Jesus vinha dessedentar a Humanidade. Uma água que dessedenta eternamente.
Terá pensado a mulher na bênção de não mais necessitar vir à fonte, duas vezes ao dia? Terá percebido nas palavras do Rabi algo que lhe pudesse saciar a sede interior? Ela bebera os prazeres sensuais em grande abundância, nas suas águas salobras, e não sentira diminuído o ardor que a fizera mendiga de muitos homens.
Dá-me dessa água, Senhor. – Agora, ela se torna pedinte.
O Amigo Celeste lhe diz que vá chamar seu marido e retorne. Ela se perturba. Toda sua alma ferida, humilhada, receia. As lágrimas escorrem pela face. Quanto desejara, tantas vezes, ser considerada uma mulher correta, e, consequentemente, respeitada.
Não tenho marido... – Balbucia.
Jesus sabe, conhece sua intimidade e ao confirmar-lhe que ela falava a verdade, porque já tivera cinco maridos e o homem com quem convivia não era seu marido, conquista em definitivo a mulher.
Ela O reconhece como profeta, pois somente um profeta poderia saber tais coisas, devassar-lhe o interior.
A mente em desalinho, ela deseja aproveitar cada minuto, e pergunta, interroga. Sua voz se torna doce. A conversação se alonga, em torno das considerações do correto local de adorar a Deus.
Jerusalém, pregavam os judeus. Monte Garizim, mesmo depois do templo destruído, falavam os samaritanos.
A admirável paciência de Jesus lhe diz:
Acredita-me, senhora; virá a hora em que adorareis ao Pai, não já neste monte, nem em Jerusalém, mas em espírito e em verdade; pois Deus é espírito e os que o adoram, em espírito e verdade, é que devem adorá-lo.
As palavras são sublimes: um cálice de água viva. Rompem-se velhos conceitos e separativismos. Deus não pertence a um povo, a uma casta. É imanente em tudo e todos. Transcendente.
Talvez por não estar habituada a questões filosóficas mais profundas, não tivesse entendido bem o ensino. Ou talvez se desejasse assegurar a respeito da identidade do peregrino. Fosse porque fosse, ela ousa dizer:
Bem sei que, quando vier o Messias, nos há de revelar todas as coisas...
E Jesus, de modo direto, Se identifica, antes de o fazer, de forma ostensiva, a outro qualquer:
Eu o sou. Eu, que falo contigo.
Aquela informação despertou na mulher uma explosão de alegria. Algo dentro dela se rompeu. Abandonou o cântaro à borda do poço e se pôs a correr na direção de Sicar, entrando na cidade a gritar:
Vinde e vede um homem que me disse tudo quanto tenho feito! Porventura não é este o Cristo?
A população espia pelas janelas, sai às portas.
Estará louca? - Questionam uns.
Outros pedem-lhe explicações. O povo se vai aglomerando. Logo, são centenas de habitantes da cidade que a rodeiam.
O falatório cresce. As discussões se ampliam. O melhor é irem todos ver o tal estrangeiro que falou com Fotina. Quase aos atropelos, descem até o Poço de Jacó.
Os discípulos, que chegaram com as compras, oferecem alimento ao Mestre, que agradece, mas não Se serve. Refere-se a um alimento que eles desconhecem e que a Sua comida é fazer a vontade dAquele que O enviou.
Os samaritanos O rodeiam e O ouvem. Ele lhes fala da semeadura e da colheita. Tão encantados ficaram que rogaram que Ele permanecesse mais um tempo. Jesus se deixou ficar por dois dias em Sicar, ensinando e curando.
Ao despedir-Se, no terceiro dia, havia lágrimas nos olhos de toda aquela gente desprezada e humilhada. Nunca ninguém lhes dera tanto.
Todos os que haviam bebido da Sua sabedoria, que haviam se consolado com Seus ensinos, que haviam vislumbrando a chance da renovação, ou se curado de mazelas, voltaram-se para Fotina, e lhe disseram:
Mulher, já não é pelo que disseste que nós cremos: porque nós mesmos O temos ouvido e sabemos que Ele é verdadeiramente o Cristo, o Salvador do Mundo...
E A Iluminadora nunca mais foi a mesma, após o sublime encontro, na tarde quente, ao sol do meio-dia.
Calcula-se que o fato se deva ter dado entre os meses de dezembro/janeiro, pois que, em seu diálogo posterior, registrado pelo Evangelista João (4:35), Jesus se refere à colheita do trigo que se deveria dar quatro meses empós, o que seria, pois, entre os meses de março ou abril.
Jesus se encontrava na Pereia, quando soube da prisão de João Batista e, com o intuito de não acirrar ainda mais os ódios dos Seus inimigos, com a Sua presença, retirou-Se para a Galileia.
Havia três caminhos a escolher: um, pelo litoral do Mar Mediterrâneo, outro, pelas margens do Jordão e, finalmente, pelo interior da Samaria. Este último foi o que o Mestre preferiu.
Ele deseja um encontro. Galga a serra de Efraim, contornando o monte sagrado onde os samaritanos adoravam Jeová. O caminho é áspero e cansativo, desenvolvendo-se sobre despenhadeiros, entre pedregulhos e calhaus.
À hora sexta (meio-dia) Jesus e os discípulos atingem o fundo do declive, onde os prados se desenrolam, cobertos pelas searas e se ergue, todo em alvenaria, o Poço de Jacó. Era costume, entre os samaritanos, denominar as localidades com nomes patriarcais.
Os companheiros se dirigem à cidade próxima, Sicar, a fim de adquirir pão e frutas. O Mestre prefere esperar.
É como se Ele tivesse marcado um encontro. Ele aguarda. Quem? Será um personagem importante ou uma alma virtuosa? Não; a pessoa que virá será alguém sem nenhuma importância e carregada de culpas.
Não tardou a aparecer uma mulher samaritana. Trazia um cântaro à cabeça e, ao deparar com o judeu, estaca. Depois, meio a medo, ela passa por ele, dirige-se ao poço. Amarra as asas do cântaro à corda, e colhe a água. Coloca a bilha sobre o poial e quando vai levantá-la ao ombro, ouve:
Dá-me de beber.
A samaritana estranha o pedido. Será com ela mesma? Um judeu pedindo favor? Judeus e samaritanos olhavam-se com despeito, julgando-se superiores os primeiros e considerando os segundos impuros, porque se haviam mesclado aos imigrantes pagãos, que tinham dominado a Samaria.
Um outro detalhe ainda a surpreende. Ela é uma mulher, a quem o homem não dirige a palavra em público, mesmo seja sua esposa, mãe ou irmã.
Um tanto irônica, extravasa a própria amargura e lhe diz:
Como sendo tu judeu, me pedes de beber a mim, que sou mulher samaritana?
A resposta do Rabi não revela aspereza, nem revide:
Se tu conhecesses o dom de Deus, e quem é o que te diz: dá-me de beber, tu lhe pedirias, e ele te daria água viva.
Como alguém que nem tem com que tirar a água do poço, poderia ofertar água? – É o que ela indaga, para ouvir a respeito da água viva com que Jesus vinha dessedentar a Humanidade. Uma água que dessedenta eternamente.
Terá pensado a mulher na bênção de não mais necessitar vir à fonte, duas vezes ao dia? Terá percebido nas palavras do Rabi algo que lhe pudesse saciar a sede interior? Ela bebera os prazeres sensuais em grande abundância, nas suas águas salobras, e não sentira diminuído o ardor que a fizera mendiga de muitos homens.
Dá-me dessa água, Senhor. – Agora, ela se torna pedinte.
O Amigo Celeste lhe diz que vá chamar seu marido e retorne. Ela se perturba. Toda sua alma ferida, humilhada, receia. As lágrimas escorrem pela face. Quanto desejara, tantas vezes, ser considerada uma mulher correta, e, consequentemente, respeitada.
Não tenho marido... – Balbucia.
Jesus sabe, conhece sua intimidade e ao confirmar-lhe que ela falava a verdade, porque já tivera cinco maridos e o homem com quem convivia não era seu marido, conquista em definitivo a mulher.
Ela O reconhece como profeta, pois somente um profeta poderia saber tais coisas, devassar-lhe o interior.
A mente em desalinho, ela deseja aproveitar cada minuto, e pergunta, interroga. Sua voz se torna doce. A conversação se alonga, em torno das considerações do correto local de adorar a Deus.
Jerusalém, pregavam os judeus. Monte Garizim, mesmo depois do templo destruído, falavam os samaritanos.
A admirável paciência de Jesus lhe diz:
Acredita-me, senhora; virá a hora em que adorareis ao Pai, não já neste monte, nem em Jerusalém, mas em espírito e em verdade; pois Deus é espírito e os que o adoram, em espírito e verdade, é que devem adorá-lo.
As palavras são sublimes: um cálice de água viva. Rompem-se velhos conceitos e separativismos. Deus não pertence a um povo, a uma casta. É imanente em tudo e todos. Transcendente.
Talvez por não estar habituada a questões filosóficas mais profundas, não tivesse entendido bem o ensino. Ou talvez se desejasse assegurar a respeito da identidade do peregrino. Fosse porque fosse, ela ousa dizer:
Bem sei que, quando vier o Messias, nos há de revelar todas as coisas...
E Jesus, de modo direto, Se identifica, antes de o fazer, de forma ostensiva, a outro qualquer:
Eu o sou. Eu, que falo contigo.
Aquela informação despertou na mulher uma explosão de alegria. Algo dentro dela se rompeu. Abandonou o cântaro à borda do poço e se pôs a correr na direção de Sicar, entrando na cidade a gritar:
Vinde e vede um homem que me disse tudo quanto tenho feito! Porventura não é este o Cristo?
A população espia pelas janelas, sai às portas.
Estará louca? - Questionam uns.
Outros pedem-lhe explicações. O povo se vai aglomerando. Logo, são centenas de habitantes da cidade que a rodeiam.
O falatório cresce. As discussões se ampliam. O melhor é irem todos ver o tal estrangeiro que falou com Fotina. Quase aos atropelos, descem até o Poço de Jacó.
Os discípulos, que chegaram com as compras, oferecem alimento ao Mestre, que agradece, mas não Se serve. Refere-se a um alimento que eles desconhecem e que a Sua comida é fazer a vontade dAquele que O enviou.
Os samaritanos O rodeiam e O ouvem. Ele lhes fala da semeadura e da colheita. Tão encantados ficaram que rogaram que Ele permanecesse mais um tempo. Jesus se deixou ficar por dois dias em Sicar, ensinando e curando.
Ao despedir-Se, no terceiro dia, havia lágrimas nos olhos de toda aquela gente desprezada e humilhada. Nunca ninguém lhes dera tanto.
Todos os que haviam bebido da Sua sabedoria, que haviam se consolado com Seus ensinos, que haviam vislumbrando a chance da renovação, ou se curado de mazelas, voltaram-se para Fotina, e lhe disseram:
Mulher, já não é pelo que disseste que nós cremos: porque nós mesmos O temos ouvido e sabemos que Ele é verdadeiramente o Cristo, o Salvador do Mundo...
E A Iluminadora nunca mais foi a mesma, após o sublime encontro, na tarde quente, ao sol do meio-dia.
01.FRANCO, Divaldo Pereira. A mulher da Samaria. In:___. As primícias do Reino. Pelo Espírito Amélia Rodrigues. Rio de Janeiro: SABEDORIA, 1967.
02.RENAN, Ernest. Relações de Jesus com os pagãos e os samaritanos. In:___. Vida de Jesus. São Paulo: Martin Claret, 1995. cap. 14.
03.ROHDEN, Huberto. Água viva. In:___. Jesus Nazareno. 6. ed. São Paulo: União Cultural. v. 1, cap. 28.
04.______. Jesus e as mulheres. Op. cit. cap. 54.
05.SALGADO, Plínio. Jesus e a samaritana. In:___. Vida de Jesus. 21. ed. São Paulo: Voz do Oeste, 1978. cap. 24.
06.TEIXEIRA, J. Raul. O Messias. In:___. Quem é o Cristo. Pelo Espírito Camilo. Niterói: Fráter, 1997. cap. 14.
Em 29.3.2016.
02.RENAN, Ernest. Relações de Jesus com os pagãos e os samaritanos. In:___. Vida de Jesus. São Paulo: Martin Claret, 1995. cap. 14.
03.ROHDEN, Huberto. Água viva. In:___. Jesus Nazareno. 6. ed. São Paulo: União Cultural. v. 1, cap. 28.
04.______. Jesus e as mulheres. Op. cit. cap. 54.
05.SALGADO, Plínio. Jesus e a samaritana. In:___. Vida de Jesus. 21. ed. São Paulo: Voz do Oeste, 1978. cap. 24.
06.TEIXEIRA, J. Raul. O Messias. In:___. Quem é o Cristo. Pelo Espírito Camilo. Niterói: Fráter, 1997. cap. 14.
Em 29.3.2016.
© Federação Espírita do Paraná - 20/11/2014