A suplicante cananita
Era a terra dos povos cananeus. Para os israelitas, era gente muito afastada de Deus.
Muitos deuses ali eram adorados, multiplicando-se os templos aos deuses do Olimpo e às divindades de todos os povos: o velho Baal, da Mesopotâmia; Áton e Amon, do Nilo; Júpiter, do Helesponto. Cibele, Astarteia, Tanit e Europa se fundiam. Os mistérios de Elêusis, vindos de Creta, se misturavam aos de Ísis.
Foi para ali que Se dirigiu Jesus, naquele momento em que se avizinhava a terceira Páscoa de Sua vida pública. A atmosfera estava carregada de nuvens pesadas. Na Judeia, os inimigos se encontravam à espreita de Jesus para matá-lO. Na Galileia, os fariseus se mostravam escandalizados com as Suas palavras, que lhes desmascaravam a hipocrisia perante o povo.
Prudente, porque ainda não chegara a hora do sacrifício, o Mestre chama os discípulos e ruma a noroeste, seguindo o curso do Jordão, no sentido das suas nascentes.
Era uma jornada de quatro a cinco dias. As terras de Tiro e Sídon eram famosas em todo o Império Romano, como centros de manufatura de lã, púrpura, tapizes raros e artigos de luxo de toda sorte.
Jesus e os doze adentram Tiro e passam junto aos templos do paganismo, que se erguem no meio dos bosques e no fundo de alamedas de cedro. Colunas de mármore se destacam da verdura. Soldados e camponeses trazem suas oferendas. Mulheres portam nas mãos guirlandas de narcisos e rosas.
Os Apóstolos olham tudo com espanto. Entreolham-se e cogitam, entre si, o que Jesus estará pensando de tudo aquilo.
Mas a fisionomia dEle está serena, impenetrável. Seus olhos límpidos atravessam os grupos de viandantes.
O sol vai se escondendo no mar à medida que eles adentram a cidade e, naquela noite, se abrigam em casa de um amigo do Senhor. Tapetes são estendidos no ladrilho para que eles possam dormir.
Os sons abafados dos rumores da noite chegam-lhes aos ouvidos, durante todo o tempo. Instrumentos de corda, vozes de mulheres entoando canções, tilintar de taças, algazarra de festas orgíacas.
A viagem deveria prosseguir pelas montanhas, até Sídon. Por que, indagam-se os dozes, Jesus os trouxera àquelas paragens, cujo ar contaminava os israelitas puros?
Quando a manhã desperta, eles se põem a caminho, na direção do rio Leontes. As narrativas dos biógrafos de Jesus, Marcos e Mateus, informam que, mal haviam transposto as portas da cidade, uma mulher reconheceu o Mestre de Nazaré e gritou:
Senhor! Filho de David! Tem misericórdia de mim! Minha filha está tomada por um demônio.
Alguns dos que compõem a caravana se voltam. Ela O denomina Filho de David, designação usual que os judeus davam ao Messias prometido, pois que, segundo os profetas, nasceria do ramo davídico.
Seria uma descendente de Israel ou uma estrangeira? Que importava? Aquela era uma terra de gentios, de deuses estranhos e costumes bárbaros, no entender daqueles homens.
Não lhe dão atenção. E Jesus parece não ouvir o apelo. Prossegue Sua caminhada, sem voltar-Se.
A mulher não desiste. Eleva mais a voz e corre atrás do grupo que se afasta, a passos largos:
Senhor! Cura minha filha! Tem misericórdia de mim!
O Amor não amado prossegue silencioso. Os gritos parecem perturbar os discípulos, embora não lhes toquem os corações.
Senhor, é uma siro-fenícia. Manda-a embora porque vem gritando atrás de nós.
Era estranha a atitude do Mestre, parecendo ignorar a aflição materna. Na Sua aparente indiferença, esperava que o coração dos companheiros fosse tocado. Esperava que eles intercedessem pela sofredora. Inútil.
Mestre! Mestre! – Prossegue ela gritando. A sua insistência desafia o silêncio.
Os Apóstolos tornam a pedir a Jesus que a despeça, que a mande embora. Ela os incomoda, perturba, mas eles não desejam tomar atitude alguma. Aguardam que o líder o faça.
Ele Se detém e Sua voz soa enérgica, embora doce e piedosa:
Eu não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel.
Seria ela uma das ovelhas? Ou desejaria ainda uma vez demover os corações dos discípulos à piedade? Agora que Ele se deteve, ela se arroja aos Seus pés, beija-lhe a orla da túnica e insiste, num grande pranto:
Senhor! Socorre-me.
Mentalmente, ela recua no tempo. A desventura de há muito lhe tomara a felicidade, o esposo, os amigos. Sua filha era o único tesouro, fortuna pela qual ela lutaria o quanto se fizesse necessário.
Não é justo, diz Jesus, pegar no pão dos filhos e deitá-lo aos cachorrinhos.
A mensagem é mais dirigida àqueles que O seguem de perto. Cães eram denominados os que não participavam do povo israelita. A imagem é amenizada pelo diminutivo, na frase do Nazareno.
O pão simbolizava o favor que a cananeia vinha implorando com tanta insistência.
Ela não se dá por vencida. Irá até aos confins da Terra para conseguir o que intenta. Sua filha precisa das graças Daquele homem. E responde com uma lógica admirável, com uma surpreendente agudeza de espírito:
Decerto, Senhor; mas também os cachorrinhos comem das migalhas que caem da mesa dos filhos.
Ele desejara lecionar aos discípulos o poder da humildade. Exultante com a firmeza da mulher, com sua persistência, não lhe pergunta acerca da raça, nem da crença. Não lhe censura o alarido. Antes, Se expressa com amor:
Mulher! Grande é a tua fé. Seja isso feito para contigo, como tu desejas.
A mulher, confiante, se vai, para encontrar refeita, em pleno gozo de saúde, a filha amada.
E, enquanto o grupo prossegue sua viagem, na direção de Sídon, o sol brilhando sobre o mar, as sementes da esperança que o Rabi depositara naquele coração se haveriam de transformar em lâmpada radiosa que a clarearia intimamente a vida inteira.
Os tempos empós, vezes multiplicadas, viriam narrar a história da mulher corajosa, de resposta engenhosa, plena de amor, que não teme se humilhar, rogar, suplicar, contanto que sua filha possa viver em felicidade, livre das tormentas do Espírito infeliz que a tomara.
É um exemplo de fé, de humilde e de desvelado amor materno.
Muitos deuses ali eram adorados, multiplicando-se os templos aos deuses do Olimpo e às divindades de todos os povos: o velho Baal, da Mesopotâmia; Áton e Amon, do Nilo; Júpiter, do Helesponto. Cibele, Astarteia, Tanit e Europa se fundiam. Os mistérios de Elêusis, vindos de Creta, se misturavam aos de Ísis.
Foi para ali que Se dirigiu Jesus, naquele momento em que se avizinhava a terceira Páscoa de Sua vida pública. A atmosfera estava carregada de nuvens pesadas. Na Judeia, os inimigos se encontravam à espreita de Jesus para matá-lO. Na Galileia, os fariseus se mostravam escandalizados com as Suas palavras, que lhes desmascaravam a hipocrisia perante o povo.
Prudente, porque ainda não chegara a hora do sacrifício, o Mestre chama os discípulos e ruma a noroeste, seguindo o curso do Jordão, no sentido das suas nascentes.
Era uma jornada de quatro a cinco dias. As terras de Tiro e Sídon eram famosas em todo o Império Romano, como centros de manufatura de lã, púrpura, tapizes raros e artigos de luxo de toda sorte.
Jesus e os doze adentram Tiro e passam junto aos templos do paganismo, que se erguem no meio dos bosques e no fundo de alamedas de cedro. Colunas de mármore se destacam da verdura. Soldados e camponeses trazem suas oferendas. Mulheres portam nas mãos guirlandas de narcisos e rosas.
Os Apóstolos olham tudo com espanto. Entreolham-se e cogitam, entre si, o que Jesus estará pensando de tudo aquilo.
Mas a fisionomia dEle está serena, impenetrável. Seus olhos límpidos atravessam os grupos de viandantes.
O sol vai se escondendo no mar à medida que eles adentram a cidade e, naquela noite, se abrigam em casa de um amigo do Senhor. Tapetes são estendidos no ladrilho para que eles possam dormir.
Os sons abafados dos rumores da noite chegam-lhes aos ouvidos, durante todo o tempo. Instrumentos de corda, vozes de mulheres entoando canções, tilintar de taças, algazarra de festas orgíacas.
A viagem deveria prosseguir pelas montanhas, até Sídon. Por que, indagam-se os dozes, Jesus os trouxera àquelas paragens, cujo ar contaminava os israelitas puros?
Quando a manhã desperta, eles se põem a caminho, na direção do rio Leontes. As narrativas dos biógrafos de Jesus, Marcos e Mateus, informam que, mal haviam transposto as portas da cidade, uma mulher reconheceu o Mestre de Nazaré e gritou:
Senhor! Filho de David! Tem misericórdia de mim! Minha filha está tomada por um demônio.
Alguns dos que compõem a caravana se voltam. Ela O denomina Filho de David, designação usual que os judeus davam ao Messias prometido, pois que, segundo os profetas, nasceria do ramo davídico.
Seria uma descendente de Israel ou uma estrangeira? Que importava? Aquela era uma terra de gentios, de deuses estranhos e costumes bárbaros, no entender daqueles homens.
Não lhe dão atenção. E Jesus parece não ouvir o apelo. Prossegue Sua caminhada, sem voltar-Se.
A mulher não desiste. Eleva mais a voz e corre atrás do grupo que se afasta, a passos largos:
Senhor! Cura minha filha! Tem misericórdia de mim!
O Amor não amado prossegue silencioso. Os gritos parecem perturbar os discípulos, embora não lhes toquem os corações.
Senhor, é uma siro-fenícia. Manda-a embora porque vem gritando atrás de nós.
Era estranha a atitude do Mestre, parecendo ignorar a aflição materna. Na Sua aparente indiferença, esperava que o coração dos companheiros fosse tocado. Esperava que eles intercedessem pela sofredora. Inútil.
Mestre! Mestre! – Prossegue ela gritando. A sua insistência desafia o silêncio.
Os Apóstolos tornam a pedir a Jesus que a despeça, que a mande embora. Ela os incomoda, perturba, mas eles não desejam tomar atitude alguma. Aguardam que o líder o faça.
Ele Se detém e Sua voz soa enérgica, embora doce e piedosa:
Eu não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel.
Seria ela uma das ovelhas? Ou desejaria ainda uma vez demover os corações dos discípulos à piedade? Agora que Ele se deteve, ela se arroja aos Seus pés, beija-lhe a orla da túnica e insiste, num grande pranto:
Senhor! Socorre-me.
Mentalmente, ela recua no tempo. A desventura de há muito lhe tomara a felicidade, o esposo, os amigos. Sua filha era o único tesouro, fortuna pela qual ela lutaria o quanto se fizesse necessário.
Não é justo, diz Jesus, pegar no pão dos filhos e deitá-lo aos cachorrinhos.
A mensagem é mais dirigida àqueles que O seguem de perto. Cães eram denominados os que não participavam do povo israelita. A imagem é amenizada pelo diminutivo, na frase do Nazareno.
O pão simbolizava o favor que a cananeia vinha implorando com tanta insistência.
Ela não se dá por vencida. Irá até aos confins da Terra para conseguir o que intenta. Sua filha precisa das graças Daquele homem. E responde com uma lógica admirável, com uma surpreendente agudeza de espírito:
Decerto, Senhor; mas também os cachorrinhos comem das migalhas que caem da mesa dos filhos.
Ele desejara lecionar aos discípulos o poder da humildade. Exultante com a firmeza da mulher, com sua persistência, não lhe pergunta acerca da raça, nem da crença. Não lhe censura o alarido. Antes, Se expressa com amor:
Mulher! Grande é a tua fé. Seja isso feito para contigo, como tu desejas.
A mulher, confiante, se vai, para encontrar refeita, em pleno gozo de saúde, a filha amada.
E, enquanto o grupo prossegue sua viagem, na direção de Sídon, o sol brilhando sobre o mar, as sementes da esperança que o Rabi depositara naquele coração se haveriam de transformar em lâmpada radiosa que a clarearia intimamente a vida inteira.
Os tempos empós, vezes multiplicadas, viriam narrar a história da mulher corajosa, de resposta engenhosa, plena de amor, que não teme se humilhar, rogar, suplicar, contanto que sua filha possa viver em felicidade, livre das tormentas do Espírito infeliz que a tomara.
É um exemplo de fé, de humilde e de desvelado amor materno.
Em 15.2.2016.
01.BÍBLIA, N.T. Mateus. Português. Bíblia Sagrada. 6. ed. São Paulo: PAULINAS, 1953. cap. 15, vers. 21 a 28.
02.______. Marcos. Op. cit. cap. 7, vers. 28 a 30.
03.FRANCO, Divaldo Pereira. A apelante cananita. In:___. As primícias do Reino. Pelo Espírito Amélia Rodrigues. Rio de Janeiro: Sabedoria, 1967.
04.ROHDEN, Huberto. A mulher cananeia. In:___. Jesus Nazareno. 6. ed. São Paulo: União Cultural. v. I, pt. 2, cap. 71.
05.SALGADO, Plínio. A mulher cananeia. In:___. Vida de Jesus. 21. ed. São Paulo: Voz do Oeste, 1978. cap. 45.
02.______. Marcos. Op. cit. cap. 7, vers. 28 a 30.
03.FRANCO, Divaldo Pereira. A apelante cananita. In:___. As primícias do Reino. Pelo Espírito Amélia Rodrigues. Rio de Janeiro: Sabedoria, 1967.
04.ROHDEN, Huberto. A mulher cananeia. In:___. Jesus Nazareno. 6. ed. São Paulo: União Cultural. v. I, pt. 2, cap. 71.
05.SALGADO, Plínio. A mulher cananeia. In:___. Vida de Jesus. 21. ed. São Paulo: Voz do Oeste, 1978. cap. 45.
© Federação Espírita do Paraná - 20/11/2014