Berenice, Serápia ou Verônica
Ela viera das terras distantes de Cesareia de Filipe, na Decápole. Era considerada impura, pois há doze anos um fluxo sanguíneo não a deixava. Recorrera a todos os métodos possíveis, na ânsia da cura.
Estivera com os sacerdotes, deixara-se exorcizar, submetera-se aos preceitos da Lei, que não a aliviaram em coisa alguma. Buscara médicos locais e de outras localidades, submetendo-se ainda uma vez a experiências que somente a maltrataram.
Provavelmente, obrigaram-na a sentar-se na bifurcação de uma rua, com um copo na mão, enquanto lhe faziam grande alarido e depois gritavam, de repente, às suas costas. Ou quiçá fizeram-na ingerir um grão de cevada encontrado no excremento de um macho branco. Tudo inútil. Seu mal era considerado um sinal de desventura, um castigo divino.
Mesmo entre os seus, ela se sentia constrangida. Os olhares lhe falavam do quanto a sua presença era incômoda. Detestavam-na, essa era a verdade.
Os recursos financeiros foram minguando e, após ter gasto tudo que possuía, ela resolvera buscar a próspera Cafarnaum, na esperança de encontrar um remédio ainda não experimentado, um médico ainda não consultado.
Ela chegou à cidade no momento em que o Profeta de Nazaré acabava de regressar de Gadara e saltara nas alvejantes praias de Cafarnaum. O povo se aglutinara ao Seu redor. Na noite anterior, uma formidável tormenta sacudira as águas de Genesaré. Todos acorriam para ver o Rabi que sobrevivera à tempestade, com Seus discípulos.
Todos desejavam ouvir as peripécias daquela noite de borrasca da boca dos Apóstolos, ainda atônitos por tudo que acontecera. Jesus falara aos ventos e dera ordens à tempestade.
Pelos caminhos, ela ouvira falar dAquele homem, pela boca dos que tinham sido abençoados por Suas mãos e haviam recuperado a saúde.
Um cavalheiro distinto se aproxima. É o chefe da sinagoga local. Chama-se Jairo e roga a presença de Jesus em sua casa, para curar sua filha. A multidão, sempre ávida de novidades, acompanha Jesus, Jairo e os Apóstolos.
O povo se comprime. Todos almejam chegar mais perto. A figura de Jesus se destaca com Sua túnica tecida sem costura, Seu manto quadrangular de borlas em fios de linho. As pessoas falam, rogam, comentam. Ele mantém a serenidade. Seus passos são firmes e seguem o pai amargurado pela enfermidade da filha.
A mulher tenta aproximar-se dEle. O coração parece lhe saltar do peito. Quanto almejou aquele momento! Contudo, agora, a voz parecia lhe morrer na garganta. O que dizer-Lhe? Como falar da sua desdita, expondo-se, em meio a tanta gente?
Ela já fora tão humilhada. As marcas da problemática orgânica lhe denunciavam a enfermidade. Estava descarnada, anêmica.
Ela acreditava nEle. Parecia sentir que uma força extraordinária se desprendia dEle. Todo Ele era grandeza. Almejava gritar, pedir socorro, tocá-lO. Isto: tocá-lO seria suficiente para que se curasse.
Então, numa rua estreita, enquanto a multidão se adensava cada vez mais, ela aproximou-se por trás, alongou o braço esquálido e lhe tocou as vestes com a ponta dos dedos.
Maravilha! O sangue estancou. A dor se foi. Uma sensação estranha a dominou. Sentiu-se renovada. Foram alguns segundos de êxtase. Logo, a voz dEle se destacou na multidão:
Quem me tocou?
Os discípulos lhe dizem que é impossível saber, pois todos O apertam, comprimem. Como saber quem O tocou?
Alguém me tocou, insiste Ele, porque senti que saiu de mim uma virtude.
Seu segredo fora descoberto. Ela se atira aos pés dEle e confessa:
Fui eu, Senhor. Guardava a certeza que, em tocando-Te as vestes, recuperaria a saúde.
Jesus a envolve em Seu olhar e a sossega:
Filha, vai em paz. A fé te salvou. Fica livre do teu mal!
Lágrimas de júbilo a tomam. Os mais próximos lhe indagam, curiosos, desejando saber o que aconteceu. Ele se vai, enquanto ela permanece ali, imóvel.
Passados alguns dias, ela voltou ao seu lar, do outro lado do mar. Os que a haviam conhecido anteriormente, querem os detalhes da cura e ela não se cansa de repetir seu encontro singular.
No entanto, se recuperara a saúde do corpo, perdera a paz do Espírito. Tudo em sua intimidade lhe dizia que ela deveria retornar para ouvi-lO, plenificar-se de Luz. Ele era o Enviado.
Despediu-se dos amigos, dos parentes e retornou. Seguiu-O por toda parte, nas cidadezinhas próximas, na orla do mar, alimentando o Espírito com as palavras dEle, que eram fonte de Vida.
Então, Ele foi preso. Às horas de angústia da incerteza do destino dEle, se seguiu a cruel subida até a Colina da Caveira. Sob o peso do madeiro que carrega, enfraquecido por não ter Se alimentado desde a noite anterior e pelas longas horas de flagelação, Ele cai
Ela não se contém. Burla a vigilância dos soldados e corre-lhe ao encontro. Com uma toalha branca que trazia, envolve-lhe a face ensanguentada e dorida.
Quando a retira, nela estava estampado o rosto dEle, tingido pelo sangue.
Ele a olha demoradamente, naquele átimo de minuto. Os lábios entreabertos nada dizem. Ela ouve, porém, no imo, Sua voz, como antes:
Vai em paz! Lembrar-me-ei de ti...
Antigas tradições cristãs dizem que essa mulher se chamava Serápia e que, a partir desse episódio, ficou conhecida como Verônica, que quer dizer: verdadeira imagem.
Um dos Evangelhos apócrifos, Atos de Pilatos, informa que seu nome seria Berenice.
Serápia, Verônica ou Berenice – que importa? O que ressalta é o exemplo de gratidão que se permite externar. Ela acompanha o Mestre, na Sua caminhada dolorosa, rompe o cordão de isolamento, afrontando a soldadesca, tudo para limpar o rosto Daquele que um dia a envolvera em Seu olhar amoroso, desejando Paz.
Ele lhe retribui o gesto, deixando impresso Seu semblante na toalha alvinitente.
Verônica é uma das mulheres, dentre tantas, que, reconhecida pela atenção do Mestre, O acompanha a todo lugar, bebendo da Sua sabedoria e formando como que uma coroa humana de profunda gratidão ao Seu redor.
Estivera com os sacerdotes, deixara-se exorcizar, submetera-se aos preceitos da Lei, que não a aliviaram em coisa alguma. Buscara médicos locais e de outras localidades, submetendo-se ainda uma vez a experiências que somente a maltrataram.
Provavelmente, obrigaram-na a sentar-se na bifurcação de uma rua, com um copo na mão, enquanto lhe faziam grande alarido e depois gritavam, de repente, às suas costas. Ou quiçá fizeram-na ingerir um grão de cevada encontrado no excremento de um macho branco. Tudo inútil. Seu mal era considerado um sinal de desventura, um castigo divino.
Mesmo entre os seus, ela se sentia constrangida. Os olhares lhe falavam do quanto a sua presença era incômoda. Detestavam-na, essa era a verdade.
Os recursos financeiros foram minguando e, após ter gasto tudo que possuía, ela resolvera buscar a próspera Cafarnaum, na esperança de encontrar um remédio ainda não experimentado, um médico ainda não consultado.
Ela chegou à cidade no momento em que o Profeta de Nazaré acabava de regressar de Gadara e saltara nas alvejantes praias de Cafarnaum. O povo se aglutinara ao Seu redor. Na noite anterior, uma formidável tormenta sacudira as águas de Genesaré. Todos acorriam para ver o Rabi que sobrevivera à tempestade, com Seus discípulos.
Todos desejavam ouvir as peripécias daquela noite de borrasca da boca dos Apóstolos, ainda atônitos por tudo que acontecera. Jesus falara aos ventos e dera ordens à tempestade.
Pelos caminhos, ela ouvira falar dAquele homem, pela boca dos que tinham sido abençoados por Suas mãos e haviam recuperado a saúde.
Um cavalheiro distinto se aproxima. É o chefe da sinagoga local. Chama-se Jairo e roga a presença de Jesus em sua casa, para curar sua filha. A multidão, sempre ávida de novidades, acompanha Jesus, Jairo e os Apóstolos.
O povo se comprime. Todos almejam chegar mais perto. A figura de Jesus se destaca com Sua túnica tecida sem costura, Seu manto quadrangular de borlas em fios de linho. As pessoas falam, rogam, comentam. Ele mantém a serenidade. Seus passos são firmes e seguem o pai amargurado pela enfermidade da filha.
A mulher tenta aproximar-se dEle. O coração parece lhe saltar do peito. Quanto almejou aquele momento! Contudo, agora, a voz parecia lhe morrer na garganta. O que dizer-Lhe? Como falar da sua desdita, expondo-se, em meio a tanta gente?
Ela já fora tão humilhada. As marcas da problemática orgânica lhe denunciavam a enfermidade. Estava descarnada, anêmica.
Ela acreditava nEle. Parecia sentir que uma força extraordinária se desprendia dEle. Todo Ele era grandeza. Almejava gritar, pedir socorro, tocá-lO. Isto: tocá-lO seria suficiente para que se curasse.
Então, numa rua estreita, enquanto a multidão se adensava cada vez mais, ela aproximou-se por trás, alongou o braço esquálido e lhe tocou as vestes com a ponta dos dedos.
Maravilha! O sangue estancou. A dor se foi. Uma sensação estranha a dominou. Sentiu-se renovada. Foram alguns segundos de êxtase. Logo, a voz dEle se destacou na multidão:
Quem me tocou?
Os discípulos lhe dizem que é impossível saber, pois todos O apertam, comprimem. Como saber quem O tocou?
Alguém me tocou, insiste Ele, porque senti que saiu de mim uma virtude.
Seu segredo fora descoberto. Ela se atira aos pés dEle e confessa:
Fui eu, Senhor. Guardava a certeza que, em tocando-Te as vestes, recuperaria a saúde.
Jesus a envolve em Seu olhar e a sossega:
Filha, vai em paz. A fé te salvou. Fica livre do teu mal!
Lágrimas de júbilo a tomam. Os mais próximos lhe indagam, curiosos, desejando saber o que aconteceu. Ele se vai, enquanto ela permanece ali, imóvel.
Passados alguns dias, ela voltou ao seu lar, do outro lado do mar. Os que a haviam conhecido anteriormente, querem os detalhes da cura e ela não se cansa de repetir seu encontro singular.
No entanto, se recuperara a saúde do corpo, perdera a paz do Espírito. Tudo em sua intimidade lhe dizia que ela deveria retornar para ouvi-lO, plenificar-se de Luz. Ele era o Enviado.
Despediu-se dos amigos, dos parentes e retornou. Seguiu-O por toda parte, nas cidadezinhas próximas, na orla do mar, alimentando o Espírito com as palavras dEle, que eram fonte de Vida.
Então, Ele foi preso. Às horas de angústia da incerteza do destino dEle, se seguiu a cruel subida até a Colina da Caveira. Sob o peso do madeiro que carrega, enfraquecido por não ter Se alimentado desde a noite anterior e pelas longas horas de flagelação, Ele cai
Ela não se contém. Burla a vigilância dos soldados e corre-lhe ao encontro. Com uma toalha branca que trazia, envolve-lhe a face ensanguentada e dorida.
Quando a retira, nela estava estampado o rosto dEle, tingido pelo sangue.
Ele a olha demoradamente, naquele átimo de minuto. Os lábios entreabertos nada dizem. Ela ouve, porém, no imo, Sua voz, como antes:
Vai em paz! Lembrar-me-ei de ti...
Antigas tradições cristãs dizem que essa mulher se chamava Serápia e que, a partir desse episódio, ficou conhecida como Verônica, que quer dizer: verdadeira imagem.
Um dos Evangelhos apócrifos, Atos de Pilatos, informa que seu nome seria Berenice.
Serápia, Verônica ou Berenice – que importa? O que ressalta é o exemplo de gratidão que se permite externar. Ela acompanha o Mestre, na Sua caminhada dolorosa, rompe o cordão de isolamento, afrontando a soldadesca, tudo para limpar o rosto Daquele que um dia a envolvera em Seu olhar amoroso, desejando Paz.
Ele lhe retribui o gesto, deixando impresso Seu semblante na toalha alvinitente.
Verônica é uma das mulheres, dentre tantas, que, reconhecida pela atenção do Mestre, O acompanha a todo lugar, bebendo da Sua sabedoria e formando como que uma coroa humana de profunda gratidão ao Seu redor.
Em 15.2.2016.
01.FRANCO, Divaldo Pereira. A mulher hemorroíssa. In:___. As primícias do Reino. Pelo Espírito Amélia Rodrigues. Rio de Janeiro: Sabedoria, 1967.
02.ROHDEN, Huberto. A hemorroíssa. In:___. Jesus Nazareno. 6. ed. São Paulo: União Cultural. v. I, pt. 2.
03.ROPS, Daniel. Quando o canto do pássaro se cala. In:___. A vida quotidiana na Palestina ao tempo de Jesus. Livros do Brasil. cap. 12, item IV.
02.ROHDEN, Huberto. A hemorroíssa. In:___. Jesus Nazareno. 6. ed. São Paulo: União Cultural. v. I, pt. 2.
03.ROPS, Daniel. Quando o canto do pássaro se cala. In:___. A vida quotidiana na Palestina ao tempo de Jesus. Livros do Brasil. cap. 12, item IV.
© Federação Espírita do Paraná - 20/11/2014